terça-feira, 30 de setembro de 2014

Com a palavra... MIA COUTO


"O português é uma língua viva, não porque ela seja especialmente diferente. Mas ela viveu essa coisa que se chama Brasil. Vive a África que está se apropriando dela com cinco países africanos que o fazem de modo diverso. É evidente que é preciso um cuidado para que a língua continue com uma identidade e um fundamento. As diferenças do português em vários países não são sentidas como um problema. Salvo alguns intelectuais conservadores do Brasil e de Portugal, que têm um certo gosto de se apropriar da pureza da língua. De resto, existe nos países lusófonos até um gosto de visitar essas diferenças. O que está acontecendo de forma inelutável é que a variante brasileira será dominante. O português do Brasil vai dominar."

- Mia Couto é um dos mais prestigiados escritores lusófonos da atualidade. Moçambicano, biólogo de formação, lançou seu primeiro livro em 1983. Seu romance de estreia, Terra Sonâmbula, foi apontado como um dos vinte melhores romances africanos do século XX. Em 2014, ganhou o prestigiado Prêmio Neustadt de Literatura, da Universidade de Oklahoma, considerado o "Nobel Americano de Literatura". Seu romance O Último Voo do Flamingo será a obra estudada pelo Clube de Leitores da Sapere Aude! Livros no mês de outubro.

O texto foi extraído da entrevista concedida a Luiz Antonio Giron, para a Revista Época (2014).

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Lendo Fantasia: ANDANDO EM CÍRCULOS

C. S. Lewis
C. S. Lewis (1898-1963)
O antigo professor de Literatura Medieval e Renascentista de Cambridge, C. S. Lewis, não escreveu apenas As Crônicas de Nárnia. Sua obra inclui inúmeros outros livros de ficção e não-ficção. Um dos meus textos favoritos de Lewis é um discurso que ele fez em uma palestra em 1944. O texto se chama The Inner Ring.

Acho o título meio difícil de traduzir. Lewis fala de grupos, turmas, patotas (círculos) que se formam naturalmente pela convivência humana. Todos nós participamos de vários. Quando crianças, temos nossa turma de amigos, por exemplo.

Porém existem dois tipos de círculos. O primeiro é aquele que é formado pelo amor em comum. Se você gosta de jogar videogame, pode ser que tenha um grupo de amigos que se reúnem para jogar. Se mais alguém quiser jogar também, o círculo está aberto: basta que o novato traga a sua CPU. O que reúne as pessoas é o prazer legítimo de fazer algo divertido juntos. O mesmo se você gosta de ler. Quanto mais gente gosta de ler, melhor; se você encontrar outras pessoas que também gostam de ler, com prazer você fará novas amizades e conversará com elas sobre a sua paixão em comum.

O segundo tipo de círculo é aquele que confere uma exclusividade para quem participa. Eles aparecem pela primeira vez na nossa vida quando entramos na adolescência. O grupo das Pattys do colégio. O grupo dos nerds. E tantos outros. Nesses grupos, não raro a graça de participar é a suposta superioridade que ser membro confere em relação às outras pessoas. São grupos excludentes. Se os nerds se reúnem para se darem um rótulo de inteligente ao invés de compartilhar seu amor pelos livros, quadrinhos, Sci-Fi e coisas do gênero, então formaram um Inner Ring. Se as Pattys estão juntas com o objetivo de exibir suas bolsas Victor Hugo e a roupa da moda aprovada pelo grupo e não porque realmente gostam de fazer coisas juntas, então elas formaram um Inner Ring.

O último parágrafo não soa como um fenômeno agradável ou bacana, não é mesmo? Segundo Lewis, essa vontade de pertencer ao círculo para ganhar um rótulo qualquer, um atestado de inteligente, cool, popular, vencedor, é a principal causa das nossas maldades cotidianas. O escritor é bem realista: dificilmente alguém vai aparecer na nossa frente com um saco de um milhão de dólares e tentar nos corromper. Mas quantas maldades, quantas grosserias todos nós já cometemos para sermos aceitos em um grupinho assim!

A fome de status, a vontade de ganhar um atestado de intelectual, de bem-sucedido, de "pegador", seja o que for, desperta o pior em nós. Você é capaz de renegar um amigo de infância porque ele não é cool o bastante, destratar sua tia distante porque ela não é refinada o suficiente, fazer grosserias para o seu parceiro porque ele não se parece com uma modelo ou um ator de cinema. Tudo para se ajoelhar no altar de algo vazio e sem significado: afinal, aquelas pessoas não estão reunidas pelo amor a algo, mas para disfarçar o seu próprio vazio.

Labour of the Danaids
The Labour of the Danaids, 1878
(oil on canvas), Weguelin,
John Reinhard (1849-1927)
Lewis fecha o texto explicando que a busca por esses rótulos é como o castigo das Danaides: encher eternamente um vaso furado. Ele dá o exemplo do violinista que quer pertencer à Orquestra de Câmara da sua cidade. Se ele quer entrar para ter um salário fixo, tocar com bons músicos e trabalhar um repertório que o fascina, será feliz. Se o instrumentista quer apenas se exibir por aí dizendo que toca naquela orquestra, logo sua felicidade de ter entrado se converterá em amargor. Sua alma cheia de furos vazará a pouca alegria que nela colocou. Se tiver azar, irá buscar um novo grupo, um novo círculo, ainda mais prestigioso que o primeiro. E encontrará novamente o vazio. Se tiver sorte, chegará o momento da Verdade e perceberá que o problema é ele, e não a orquestra. Citando o texto de Lewis:



Until you conquer the fear of being an outsider, an outsider you will remain.
Interpretando o original em inglês, eu diria: enquanto você não derrotar o medo de se sentir rejeitado, você continuará se sentido sempre aquém. Quando não tiver mais esse medo, o tonel se quebrará e virá a paz. Ao invés de tentar se engrandecer, descobrirá que a verdadeira realização é ser exatamente aquilo que se é, e fazer o que se faz pelo amor às coisas em si mesmas.


 *Patrícia Degani é mestre em Filosofia Antiga e Medieval pela PUCRS. Leitora e pesquisadora da literatura de Fantasia, escreve regularmente no blog Lendo Fantasia. É uma das coordenadoras da Breviário Cursos, pela qual ministrará, no dia 25 de outubro próximo, o curso ESCREVENDO FANTASIA, que está com as inscrições abertas.

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Ensaio sobre a rotina: FELIZES PARA SEMPRE

por Nurit Gil

- O que você viu em mim?

- Como assim?

- Eu lá, deitada no meio da floresta encantada, cercada por um monte de anões. O que te fez parar e me beijar?

- Sua pele, seu ar angelical...

- Sem ser piegas.

- Mas é sério. Você deve estar naqueles dias.

- Não tem nada a ver com os meus hormônios. Só estava pensando...

- Em que?

- Se você não tivesse aparecido.

- Você nunca teria aberto os olhos.

- Claro que teria. Ou você acha que existe algum veneno que passe com beijo? Era provisório.

- Pode ser. Então você estaria agora cozinhando para sete anões.

- Ou teria abraçado uma causa nobre.

- Que?

- Sim, como a defesa dos mineradores.

- Sindicalista?

- Talvez. Ou uma ONG para defesa dos animais.

- Peraí. Você está dizendo que trocaria sua vida de princesa encantada pelos afazeres de uma casa compacta e as tardes passadas conversando com coelhos?

- Você não entende.

- Não, definitivamente. São três cozinheiros, duas damas de companhia e uma ama de leite para as crianças. Banquetes, festas de gala, jóias do reino e glamour. Tudo isso versus uma ONG?

- Glamour, glamour, glamour. Só isso importa?

- Foi o que te propus em cima do cavalo branco.

- Estou numa fase de repensar a vida.

- Então faça o seguinte: repense. Se preferir, saia palácio afora hasteando sua bandeira e defendendo sua causa. 

O príncipe Kent saiu batendo as portas do aposento real.

E Snow White abriu a gaveta de sua cômoda, pegou o Rivotril e engoliu com Sidra. Nunca gostara de espumante francês. 


*Nurit Gil é uma paulista nos pampas gaúchos, formada em publicidade, mas nunca tendo exercido a profissão. Cronista de corpo e alma, a autora já trabalhou com vendas, marketing e foi mãe em tempo integral. Uma paixão? Nurit gosta de observar gente, escutar conversas, de preferência em ambientes abertos e com uma xícara de café. Sem chantilly. Semanalmente, publica nesta coluna suas impressões do cotidiano porto-alegrense.

























quinta-feira, 18 de setembro de 2014

PRATA DA CASA: O Clã dos Clãs



- Uncanamala pakê ombemua sounrise pokka. “Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele” - Vento-Lá-Fora, líder dos caçadores do Clã do Lobo-Cinzento, dizendo isso, olhou para todos os demais integrantes do pequeno grupo, no interior da tenda vermelha fustigada pelo vento da Noite-Sem-Fim, lá no Vale dos Cavalos. O jovem Sonho-de-Verão, encarou-o e expressou-se nestes termos:

-O lobo perde os dentes, perde a pele, mas não perde o espírito. Estudei-o com o xamã Olho-do-Falcão, junto com os espíritos dos vivos e dos mortos, de todos os nossos irmãos de jornada, das pedras até as montanhas. Descobri que todos temos o mesmo ancestral, o mesmo pai e a mesma mãe primeira-primeira-última. E decidi que quero vestir ora a pele do Lobo-Cinzento, ora a do Urso-do-Abrigo-de-Pedra, e ora a do Leão-de-Neve-da-Montanha. 

Sonho-de-Verão havia citado os dois clãs rivais do Lobo-Cinzento, fazendo com que os seus irmãos espirituais se entreolhassem, curiosos. Vento-Lá-Fora perguntou-lhe com um olhar feroz:

-Se quer vestir tanto a pele do lobo, do leão-branco e do urso, você vestirá...

-O espírito vermelho do Mamute! 

Um coro de “oh!” tomou conta da tenda, demonstrando que o grupo havia imediatamente compreendido onde Sonho-de-Verão queria chegar... Ele queria vestir o espírito de todos os clãs! As tendas dos Lobos-Cinzentos e dos Leões-de-Neve-da-Montanha eram feitas com peles e ossos de mamute, bem como a maioria de suas vestimentas. Além disso, a gigantesca montanha onde ficava a caverna dos Ursos-do-Abrigo-de-Pedra, tinha o seu formato. Podia-se ver inclusive as duas corcovas que caracterizavam aquelas grandes criaturas. 

- O Clã do Mamute-Vermelho inicia a sua jornada... aqui! – disse o ousado jovem. Os seus irmãos espirituais estavam agora entre o vento lá fora, e um sonho de verão...

Resolveram sonhar.
Vitor Dilly


Na seção PRATA DA CASA, publicaremos semanalmente textos escritos pelos alunos das diversas oficinas literárias ministradas na Sapere Aude! Livros. O texto de hoje é de Vitor Dilly, aluno da Oficina de Produção Literária do professor Robertson Frizero. Quer conhecer mais sobre nossas oficinas literárias? Acesse: http://oficinasliterarias.wordpress.com

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Ensaio sobre a rotina: MUDANDO O MUNDO

por Nurit Gil 

Clara estava animada com aquele convite. Reencontraria a turma da faculdade após dez anos e finalmente conversaria sobre assuntos interessantes entre pessoas que pensavam como ela.

Nos últimos tempos, seus amigos passaram a ser os pais dos amigos de seus filhos, pessoas cujas afinidades resumiam-se a dissertar sobre a didática da professora, a linha pedagógica do colégio, a malignidade do glúten e a mãe do Fabio que não tinha vergonha na cara. Era isso: ela pensava em seus filhos vinte e quatro horas por dia e sua vida social também resumia-se a manifestos maternos.

Com a premissa de comemorar as bodas da formatura, finalmente seria despertada a Clara que levantava bandeiras, que devorava livros em cuja capa não constavam barrigas de nove meses, que discorria sobre assuntos culturais diversos e que cantarolava músicas da Adriana Calcanhoto ao invés da Partimpim. Sabia que, da antiga turma, poucos sequer estavam casados e certamente mantinham o ar reacionário de outrora, tempo em que ela também avaliava seriamente a possibilidade de mudar o mundo. Até conhecer o Rodrigo, casar, engravidar, fazer cursos de papinhas orgânicas e mudar o seu mundo.

No dia do encontro, Rodrigo ficara encarregado de cuidar das crianças e, ainda beliscando-se para checar a veracidade do momento, Clara bateu a porta de casa e saiu. Voltou horas depois, um pouco antes da meia-noite.

- Já?

- Sim. Acredita que hoje em dia tem trânsito neste horário?

- Como foi o encontro?

- Demais!

E discorreu sobre a emoção de rever antigos amigos, sobre como pouco haviam mudado. Discutiram sobre os tempos atuais, relacionaram Maquiavel com Simone de Beauvoir, Baudelaire com Valeska Popozuda e pré-sal com festa rave. Um pouco depois do início da animada conversa, chegou a Julia, pedindo desculpas pelo atraso e já dando as boas novas: estava grávida. Todos ficaram felizes, brindaram com seus copos de cachaça enquanto a gestante pedia uma água sem gás. Clara mal pôde conter a emoção. Chamou Julia para sentar a seu lado e iniciaram uma animada conversa sobre enjôos matinais, planos de parto e peças indispensáveis no enxoval. Como a conversa dos demais estava muito alta, elas logo mudaram-se para outra mesa, na ala de não fumantes. Ainda pediram um café descafeinado antes de despedirem-se do resto do pessoal que àquela altura, falava sobre sei lá o quê. Na saída, combinaram de encontrarem-se novamente. Tinham muitos assuntos em comum e de fato, Clara ainda precisava falar com ela sobre sobre linhas pedagógicas, a malignidade do glúten e, quem sabe, apresentá-la para as mães dos amigos de seus filhos.


*Nurit Gil é uma paulista nos pampas gaúchos, formada em publicidade, mas nunca tendo exercido a profissão. Cronista de corpo e alma, a autora já trabalhou com vendas, marketing e foi mãe em tempo integral. Uma paixão? Nurit gosta de observar gente, escutar conversas, de preferência em ambientes abertos e com uma xícara de café. Sem chantilly. Semanalmente, publica nesta coluna suas impressões do cotidiano porto-alegrense.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Com a palavra... DAN BROWN

Dan Brown
"Por mais estranho que isso possa parecer, eu raramente leio ficção. Por serem meus romances fruto de muita pesquisa, eu leio livros de História, biografias, traduções de textos antigos. Os poucos escritores que tem me inspirado são [Robert] Ludlum por suas tramas intrincadas, [John] Steinbeck por suas descrições e [William] Shakespeare pelos jogos de palavras."

- Dan Brown é um dos mais famosos escritores de thrillers do mundo. Americano, 50 anos, ficou famoso com O Código Da Vinci, no qual seu personagem mais conhecido, Robert Langdon, investiga um bizarro assassinato cometido no interior do Museu do Louvre. Seu último romance foi Inferno.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Lendo Fantasia: FAZER COM ARTE E NÃO PELA ARTE ou SOBRE O PEDANTISMO

Christian & Oriental Philosophy of Art
COOMARASWAMY, Ananda.
 Christian & Oriental
 Philosophy of Art.
(Foto: Goodreads)
Lendo recentemente O Herói de Mil Faces (The Hero With Thousand Faces) de Joseph Campbell e Filosofia da Arte Cristã e Oriental (Christian and Oriental Philosophy of Art) de Ananda K. Coomaraswamy, consegui formular para mim o porquê do pedantismo ser mais do algo errado: é também imoral, no sentido religioso do termo.

Tanto Campbell quanto Coomaraswamy entendem que existe um significado metafísico por trás da mitologia e da arte das sociedades tradicionais. Campbell também enxerga um conteúdo psicológico de transformação do ego em direção a um significado maior da existência. Já o escritor indiano insiste que toda a arte, ou seja, toda a técnica de fazer algo bem-feito implica uma busca do Bem, do Belo e do Justo. Assim, todas as pessoas, do carpinteiro ao matemático, deveriam fazer o que fazem com arte. Porém, a arte é apenas o meio e não o fim do que fazem. O fim é a busca da Verdade.

Pedantismo é quando se dá mais importância ao meio que à finalidade em si.

Todas as vezes que fui pedante senti-me profundamente envergonhada depois. Parece ser, infelizmente, uma tendência nas pessoas que acumulam muito conhecimento sem digeri-lo direito. O pendantismo é errado porque ter mais informação acumulada não dá a ninguém o direito de menosprezar os outros. Analisando por esse prisma, ser pedante equivale a ser mal-educado. Você fala uma língua que ninguém entende só para se exibir. 

O Herói de Mil Faces
CAMPBELL, Joseph.
O Herói de Mil Faces.
O desprestígio atual dos intelectuais está muito ligado a isso. Muitos acadêmicos e intelectuais, principalmente da área de Humanas, não estão transformando o seu saber. Ao invés de ajudar as outras pessoas a chegar à Verdade ou dar uma luz sobre um problema real, perdem-se em exibições e competições de ego. Como querer que alguém simpatize com isso?

Na literatura de Fantasia, o pedantismo consiste em se alongar indevidamente sobre o mundo que se criou, exibindo-o em detalhes exagerados, atrapalhando a narrativa. J.R.R. Tolkien criou um universo paralelo, porém usou apenas o que interessava à sua narrativa. O resto foi publicado em apêndices ou como livros independentes. O professor de Oxford conhecia várias línguas antigas, mas não entupiu O Senhor dos Anéis com citações em anglo-saxão ou gaélico. Mervyn Peake, da série Gormenghast, escreve em um estilo propositadamente empolado, parecido com o dos escritores do século XIX (como Dickens) porque quer dar a ideia de um lugar antiquado e sufocado pela tradição. Nenhum deles queria se exibir ou intimidar o leitor. O que os movia era o amor à língua inglesa, no caso de Peake, e o amor à mitologia, no caso de Tolkien. Dois exemplos a serem seguidos.


 *Patrícia Degani é mestre em Filosofia Antiga e Medieval pela PUCRS. Leitora e pesquisadora da literatura de Fantasia, escreve regularmente no blog Lendo Fantasia. É uma das coordenadoras da Breviário Cursos, pela qual ministrará, no dia 25 de outubro próximo, o curso ESCREVENDO FANTASIA, que está com as inscrições abertas.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Você sabe?!?... QUEM FOI BOUDICA

por Mires Batista Bender


Boudicca, conhecida pelos romanos como Boadicea, foi uma rainha celta que liderou os icenos, juntamente com outras tribos bretãs, em levantes contra as forças romanas que ocupavam a Grã-Bretanha em 60 d.C., durante o reinado do imperador Nero.

Pode causar estranheza saber da presença de uma mulher a frente das tribos bárbaras que enfrentaram os exércitos durante as conquistas do Império Romano. Porém, o historiador David MacDowall conta em seu livro, An illustrated history of Britain (1989), que, quando os romanos invadiram a Bretanha, em 43 d.C., duas das maiores tribos celtas eram comandadas por mulheres. Donas de enorme prestígio social elas podiam ser eleitas rainhas e possuíam terras.

Os celtas chegaram à Bretanha por volta do ano 700 a.C., provavelmente provenientes da Europa central, ou mais ao leste, do sul da Rússia. Tecnicamente avançados e hábeis no manejo do ferro e superiores no do cobre, com o qual faziam suas armas, os celtas se instalaram e dominaram diversas regiões, entre elas a Bretanha francesa, o País de Gales, a Escócia e a Irlanda. Ainda hoje é facilmente comprovada sua presença em determinadas regiões onde a cultura e a língua celta se espalharam: na Irlanda, na Cornualha, na Ilha de Man e nas Ilhas Britânicas, particularmente nas terras altas da Escócia.

Não é possível falar de uma raça celta e sim de diversos povos de diferentes origens que compartilhavam certas características como os costumes religiosos e sociais e tinham cultura, língua e tradição artística comuns. Estavam divididos por tribos e governados por chefes guerreiros empenhados em constantes lutas internas.

Os celtas adoravam uma coorte de deuses e glorificavam a natureza e a fertilidade. Não erigiam templos. Seus rituais religiosos eram celebrados nos campos e florestas, principalmente onde houvesse carvalhos antigos: símbolos do poder e da força divina, ou em círculos mágicos de pedras de que temos notícia ainda hoje, como as ruínas de Stonehenge Avebury, Silburg Hill e outras. Na sociedade celta havia equilíbrio de poder e igualdade de direitos entre homens e mulheres. De acordo com a pesquisadora Maria Nazareth Alvim de Barros (1948), os celtas não adotavam o sistema patriarcal e as mulheres sempre ocuparam lugar de respeito entre eles, sendo consideradas representantes do lado mágico e feérico do ser.

Boudicca, a lendária guerreira celta, uniu as várias tribos – que constantemente lutavam entre si – em um objetivo comum, usando lanças e machados contra os disciplinados e super equipados exércitos romanos. A fama desta rainha, como a de algumas outras mulheres celtas, assumiu a dimensão de mito em toda a Grã-Bretanha. Uma estátua de Boudicca, representada segundo a concepção da memória popular, é encontrada em Londres, ao lado do rio Thames, próximo das casas do Parlamento.
Os eventos sobre a atuação da rainha Boudicca, foram relatados pelos historiadores romanos Tácito (55-120 d.C.) – nos livros Annales e Agrícola –, e Dião Cássio (~155-após 229 d.C.) em História Romana.


* Mires Batista Bender, doutora em Letras pela PUCRS, acredita que as palavras são magia e fez delas seu ofício. Professora de línguas e Literatura criou o primeiro fã-clube de escritor para homenagear a união entre seus maiores prazeres: pessoas e poesia. Interessada e curiosa por todos os temas que fazem fluir o poético, conversa sobre eles nesta coluna...

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

PRATA DA CASA: Espectros




Noivo e Noiva... Tumulto, um alarido! Ou Não?
                        Ouço os ínfimos rumores no capim cheio de vozes. Outras vozes de fantasmas desnudos, tais quais a mim: vagabundos, perdidos do Céu, fincados no Mundo.                   
                        Penso... Estando o maruim na poça, vislumbrando a hemorragia da manhã, ou em tardes e açucares em tuas glândulas fósseis à fala, doce, saudosa miragem, se azul disseres, estarei atento e te ouvirei e te ouvirão nas profundezas de nossa imensa solidão
                        Lembrarei, eu, poeta, peregrino, da contração dos ventres, do turbilhão dos lençóis em seus ombros e seios.
                        Inveja dos amantes de todo o sempre, nós, nus e trêmulos, coxas quentes e nádegas enfiadas uma na outra, qual esculturas, pernas erguidas e dobradas, por um Rodin a serem esboçadas, mesmo que sob formas acanhadas, seremos eternamente.
E... Ai! Os gemidos...
                        Os gemidos que serão e foram ouvidos, na noite escura dos tempos idos, vindos e vindouros farão pensar a todos:
                        - Não serão eles dos espectros?
                        A gargalhar, sós, exultantes e invisíveis então diremos:
                        - É a ventania! Tão só a ventania.


Silvia C.S. Preissler


Na seção PRATA DA CASA, publicaremos semanalmente textos escritos pelos alunos das diversas oficinas literárias ministradas na Sapere Aude! Livros. O texto de hoje é de Silvia C. S. Preissler, aluna das oficinas de Poesia do professor Diego Petrarca. Quer conhecer mais sobre nossas oficinas literárias? Acesse: http://oficinasliterarias.wordpress.com