terça-feira, 30 de abril de 2013

Com a palavra... J-M. G. LE CLÉZIO

"Um dos maiores prazeres na vida é sentar-se à mesa e escrever, seja lá onde for. Eu não tenho um escritório, eu escrevo em qualquer lugar. Ponho uma folha de papel sobre a mesa e viajo. Literalmente, escrever para mim é como viajar. É sair de mim mesmo e viver outra vida; talvez uma vida melhor."

- Jean-Marie Gustave Le Clézio é francês de nascimento, mas considera as Ilhas Maurício sua pátria. Em 2008, tornou-se o primeiro escritor de expressão francesa a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura em vinte e três anos.


segunda-feira, 29 de abril de 2013

Meu livro preferido é... O MORRO DOS VENTOS UIVANTES, de Emily Brönte


O MORRO DOS VENTOS
UIVANTES, de E. Brönte
(L&PM)
Não é uma linda história de amor. Juro, leitor. Sei que você deve ter visto adaptações para o cinema e a televisão que o fizeram pensar em alguma história açucarada entre os protagonistas Heathcliff e Catherine. Mas não é disso que o livro trata. Escrito em 1847 por Emily Brontë, o livro chocou os seus contemporâneos, entre outras coisas, por ter personagens orgulhosos e vingativos.
O livro não é escrito em seqüência. Ele começa quando Lockwood, um dos narradores, aluga uma propriedade no campo.Lockwood decide fazer uma visita de cortesia ao seu senhorio e logo se arrepende: chega no meio de uma horrorosa briga de família. Para piorar, uma tempestade e o cair da noite impedem que volte pela estrada enlameada. E como se não bastasse, uma menina-fantasma aparece na janela do quarto que lhe dão para dormir...
É em busca da resolução do duplo mistério - quem é o fantasma e como aquela família ficou tão selvagem e disfuncional - que Lockwood interroga uma antiga empregada da família, Nelly, que lhe conta a história da casa (chamada Wuthering Heights, Alturas Uivantes). É uma história sobre algo muito concreto, real, que experimentamos na nossa vida: os segredos de família, as suas conseqüências e a força que o perdão tem de romper com a repetição de uma trajetória de infelicidade.
Então querido leitor, se você tinha preconceito com esse livro por achar que era leitura de moçoilas casadoiras ou coisa de vampiro Edward e Bella, por favor, abandone essa ideia e dê uma chance à esse clássico. Heathcliff e Catherine são muito mais do que dois rostinhos bonitos, eu lhe garanto.



Patrícia Degani é Mestre em Filosofia Antiga e Medieval pela PUCRS, publicitária de formação e uma das coordenadoras da Breviário Cursos. O que mais admira na Sapere Aude! Livros é o ambiente da loja e a simpatia no atendimento.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

"Não há nada de novo no novo": a poesia neoformalista



Há uma nova corrente na poesia norte-americana que se contrapõe a todas as tendências que se poderia esperar dos poetas do século XXI. Seu nome surgiu dos textos daqueles que criticavam seu comportamento chamado de materialista e conservador - e de um ensaio assinado por Dana Gioia, em 1987, no qual o poeta e crítico literário estadunidense defendia as idéias dos novos poetas ao apontar os erros e descaminhos da chamada poesia pós-modernista.


A nova poesia cujo surgimento Gioia louvava era o oposto das experimentações por vezes contrárias à própria idéia de texto poético como até então se entendia; contrapunha-se, nas palavras do crítico estadunidense, ao "informalismo" e "aformalismo" da poesia pós-moderna, cuja "canonização" teria levado à "degradação da linguagem poética, prolixidade da lírica, falência do modo confessional, falha em estabelecer uma estética significante para uma nova narrativa poética e a recusa de uma textura musical dentro do poema contemporâneo".


Os neoformalistas, como viriam a ser conhecidos esses novos poetas, pregam um resgate dos formatos canônicos de metrificação, mas a partir de um repensar contemporâneo sobre tais formas. Tal retorno ao passado da poesia - um regresso não tão distante, já que as formas poéticas mais tradicionais jamais deixaram de ser admiradas e mesmo praticadas pelos poetas do século XX - não é, contudo, um retrocesso temático, já que os neoformalistas escrevem, em geral, sob um ponto de vista mais autobiográfico, mas usando elementos cotidianos e contemporâneos para tecer uma lírica inovadora, bem como de temas sociais sem que, contudo, caia nas armadilhas fáceis da poesia engajada. em outras palavras, eles pregam o retorno das rimas, do ritmo e das formas poéticas consagradas, para com essas formas tradicionais cantar o mundo em que vivemos.


O neoformalismo, como era de se esperar, encontrou seus detratores. A maioria deles acusa os neoformalistas de ressuscitar a forma em detrimento das imagens poéticas, mas há até mesmo os que associam o resgate desses novos poetas aos versos jâmbicos com uma forma de "fascismo literário". Argumentam eles, os que renegam os neoformalistas, que ritmos interessantes e sonoridades oriundas da mera junção de palavras podem existir mesmo em textos sem qualquer sentido. Um de seus maiores opositores, Ira Sadoff, diz em seu ensaio Neo-formalism: a Dangerous Nostalgia que os "poemas que privilegiam o som e a métrica são conservadores não tanto por privilegiarem a tradição, mas por descontextualizarem a poesia". Na visão de Sardoff, o fato de os neoformalistas narrarem o cotidiano da vida corrente por meio de "versos metricamente perfeitos" é uma forma de "diminuir as ambições da arte".


Para fazer uma avaliação mais abalizada, sem dúvida faz-se necessário ler os poemas dos neoformalistas. Como em todas as chamadas escolas literárias, há poemas de uma inventividade cativante e outros que são dispensáveis. Mas, como nesses versos metrificados e rimados, relembrando as críticas de Sadoff, não é também possível escrever toda uma poesia em versos livres que não faça o menor sentido? Ou serão os versos livres uma garantia prévia de que o poeta está cumprindo "as ambições da arte" e atingindo conteúdos superiores de entendimento e profundidade poética?


Parece haver na crítica aos neoformalistas um retrato do preconceito que gira em torno da pseudo-liberdade em que se deita a chamada arte pós-moderna, na qual seu espírito fragmentado e acolhedor de todas as possibilidades é excludente, em verdade, das formais mais tradicionais de poesia - e mesmo de narrativa em prosa -, como se não fosse mais possível a um escritor contemporâneo criar textos novos a partir de ferramentas consagradas pelo cânone literário. Sobre esse preconceito, aliás, há um divertido poema de um dos neoformalistas mais atuantes, George Held, chamado Some Editors, no qual ele fala de suas frustrações na tentativa de publicar seus poemas metrificados:


Some editors reject and chide me
Alguns editores rejeitam-me e ralham
'Send us no rhyme and no meter'.
'Não nos mande rima ou metrificação'
They'd turn down Frost, Yeats and Heaney;
Dispensariam Frost, Yeats e Heaney
I pray they're turned down by St. Peter
Rezo para que eles sejam dispensados por São Pedro.

René Magritte - "O Poeta Recompensado" (1956)
Como diz o verso de Held, alguns dos editores contemporâneos dispensariam até mesmo a poesia de mestres como "Frost, Yeats e Heaney", caso eles fossem hoje jovens poetas em busca de publicação, pela simples razão de eles escreverem usando rimas e métrica. Estarão as profundezas filosóficas dos poemas de Frost destituídas de importância porque ele contava as sílabas métricas? Teriam sido mais valorosos os poemas de Yeats caso ele não se preocupasse com as rimas? As respostas a tais perguntas parecem simples e apontam para uma constatação: os modernistas deixaram-nos uma herança cruel, uma necessidade incontestável de buscar a inovação a qualquer preço. Não só na literatura, mas também em outras tantas artes, essa total tirania da novidade fez com que os iconoclastas fossem laureados muitas vezes apenas por quebrar ícones, e não por conta de uma capacidade sua de construir novas formas em que a arte se renovasse para o tempo presente. Nesse mesmo sentido, muitos artistas de valor acabam sendo desprezados pelo simples motivo de criarem suas obras sem esquecerem por completo dos alicerces nos quais a arte foi construída ao longo dos tempos. Talvez seja este o caso de alguns desses poetas neoformalistas, cuja mera menção a rimas, versos metrificados e estrofes cause a repulsa de seus detratores.


Mas, será que ainda há coisas realmente novas por criar? Talvez fosse interessante deixar que o poema Nothing New, do neoformalista Michael Curtis, traga algumas luzes a este questionamento pertinente nesses tempos de pós-modernidade:


There is nothing new in the new;
Não há nada de novo no novo;
There never will be, and never was.
Nunca haverá, nem nunca houve.
Never has novelty told the truth;
Tampouco a novidade disse a verdade;
Novelty is never new, because
A novidade nunca é nova, porque
In the moment of making, new
No momento em que são feitas, as novas 
Things are old, than older: This is true.
coisas são velhas, depois mais velhas ainda: isto é fato.

*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

quinta-feira, 25 de abril de 2013

Arnold e as ausências presentes



Hans-Ulrich Treichel
Hans-Ulrich Treichel é um autor alemão contemporâneo cujo texto é sempre marcado por uma inesperado humor e por traços autobiográficos que, longe de servir a uma escrita personalista, enriquecem a narrativa, que transcende assim a questionável dicotomia entre ficção e não-ficção. Em um de seus livros mais recentes, “O Acorde de Tristão”, ele ironiza sua relação com o compositor Hans Werner Henze, de quem é libretista e amigo pessoal, ao narrar a história de um professor de literatura, um germanista, cuja aproximação de um compositor celebrado tem efeitos enormes sobre o acadêmico que está justamente a escrever uma dissertação sobre o esquecimento.

A ironia e o esquecimento também são aspectos recorrentes em sua novela de estréia, “O Perdido”. Nessa obra, Treichel conta a história – segundo ele, verídica e pessoal – de um terrível drama familiar: durante a Segunda Guerra Mundial, um casal foge da invasão russa à Alemanha e, em um momento de desespero, a mãe entrega seu filho pequeno a uma outra alemã, sem ter tempo de dizer-lhe o nome da criança ou perguntar-lhe o nome à mulher. A história, contudo, é narrada do ponto de vista do segundo filho do casal, nascido depois da guerra, cuja infância é marcada pela busca incessante dos pais por esse irmão perdido, Arnold. É ele o narrador inominado que sofre com a culpa alimentada pela mãe e pela indiferença do pai.

No campo simbólico, “O Perdido” pode ser visto como um retrato da própria Alemanha do pós-guerra: a mãe representa aqueles que continuaram, depois do término do conflito, presos àquele passado doloroso e às lembranças de seus traumas pessoais, repletos de culpa pelas escolhas que os alemães fizeram no decorrer da guerra; o pai simboliza os que se aplicaram ao trabalho como uma forma de superar esse passado que eles preferiam esquecer. Em meio a essas duas diferentes posturas em relação a acontecimentos dolorosos tão recentes no imaginário de todo um país, há o protagonista que, mesmo não tendo vivido as agruras do conflito armado, sofre igualmente com suas conseqüências.

Treichel constrói essa trama pela voz de um narrador-protagonista que, sendo adulto, tem laivos de pensamento pueril ao recordar dos acontecimentos da infância sofrida. Sua narrativa em primeira pessoa e com escassa divisão em parágrafos dá ao leitor a impressão de que se acompanha os pensamentos e impressões do narrador no decorrer dos próprios acontecimentos, ainda que em termos gramaticais os verbos no passado predominem, como sói acontecer nas narrativas memorialistas.

TREICHEL, Hans-Ulrich
O PERDIDO
(trad. José Marcos Mariani de Macedo)
Companhia das Letras
O narrador e seu irmão, Arnold, também podem ser vistos como metáforas da divisão da Alemanha em dois países após sua derrota na Segunda Guerra Mundial. Arnold seria a Alemanha perdida, sob influência do bloco soviético, da qual não se tinham notícias precisas por conta de seu regime político fechado, ainda que se soubesse que ela seguia viva; o narrador é a Alemanha Ocidental, cujo peso do passado influenciava ainda uma vida que se queria normal – afastada das idéias reprováveis de sua história política recente – e progressista. Tal associação simbólica é corroborada pela cena final da novela, na qual o narrador e sua mãe aproximam-se de um jovem que seria, possivelmente, o irmão perdido. Repleta de fina ironia, a narrativa mostra que o rapaz cuja identidade é colocada em questão vive uma vida normal como aprendiz de açougueiro – profissão, aliás, intimamente relacionada às origens do próprio pai do narrador – e parece ignorar todo o sofrimento da família que o buscara incessantemente desde o momento trágico da separação. 

Em que pese a possível associação da trama de “O Perdido” com a história recente da Alemanha, não há como ignorar que seu tema mais instigante é o drama humano dessa família dividida pela guerra – uma tragédia que certamente se repetiu em tantos outros lares alemães. Como na vida real, os ausentes dominam os que permaneceram. “A vida dos mortos está na memória dos vivos”, já dizia Cícero. Que dizer então de um ausente cuja existência parece intensificar a culpa e a importância que ele teria no decorrer da vida dos presentes se o destino não lhes houvesse furtado do convívio? Treichel leva o leitor a repensar, em nossas vidas, o papel da memória e do esquecimento.
*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Aprenda a destruir sentimentos com eficiência

Alguns livros desta seção podem parecer inventados, mas são reais. É o que acontece com este surpreendente "Sentimentos - e como destruí-los", parte de uma coleção de livros infantis norte-americana chamada "A Little Golden Book" que até hoje circula no mercado. Entre contos de fadas e personagens dos filmes da Disney, este aqui foi certamente um dos títulos mais estranhos da coleção. Um nome infeliz, talvez, para um livro que não se propunha a ensinar os pequenos a destruir corações, mas o oposto disso - combater o bullying.



Dentro do livro, deuses e feras

"E assistiremos na tela do São José a um empolgante filme da UFA, que o acreditado programa Urania oferece: 'Deuses, homens e feras', filme arrebatador por suas cenas de forte dramaticidade, centralizadas por uma atriz de relevo: Ellen Kuerty." 
Assim o jornal paulistano "Correio da Manhã" de seis de dezembro de 1928 anunciava a película retratada neste panfleto encontrado pela equipe da Sapere Aude! Livros dentro de um dos livros comercializados na loja. A Universum Film AG, ou UFA, é ainda hoje um dos principais estúdios de cinema e televisão da Alemanha, mas entre 1917 e 1945 seu alcance era mundial, produzindo clássicos como "O Gabinete do Doutor Caligari" (1920), "Metropolis" (1927) e "O Anjo Azul" (1930), bem como lançando estrelas como Marlene Dietrich.

Imagina-se que o programa da imagem acima seja de 1929, levando-se em conta o tempo que as películas levavam para serem transportadas de cidade em cidade pelo Brasil para exibição nos cinemas.  

terça-feira, 23 de abril de 2013

Com a palavra... PHILIP ROTH

"Solucionar o problema de um livro que você está escrevendo sempre requer trabalho duro, e seu progresso é lento. Mesmo quando você escreve um livro em dois anos, às vezes você chega a uma página por dia, às vezes nenhuma... Cada frase traz um problema, e essencialmente o que você faz é conectar uma frase à seguinte. E você escreve uma frase e tem que imaginar o que pode vir depois e o que jamais poderia." 

- Philip Roth, romancista norte-americano que completou oitenta anos no último mês de março, em entrevista a Scott Simon

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Meu livro preferido é... HAMLET, de William Shakespeare

HAMLET, de W. Shakespeare (L&PM)



Posso dizer sem nenhum arrependimento que meu livro predileto é Hamlet. Como se sabe, é uma tragédia escrita por William Shakespeare entre 1599 e 1601. Para mim, como leitora e professora, é sempre um prazer poder falar sobre essa obra. Minha edição é de 1998, um pocket da L&PM com tradução de Millôr Fernandes, do tempo da faculdade de Letras e está com as anotações, marcações e comentários que eu ouvia, lia e as colocava ali, no rodapé das páginas para que eu não esquecesse cada coisa que eu considerava interessante. É um livro de estimação. É a história preferida.  Mas vamos à trama: as ações se desenvolvem em torno da vingança e tentativa de reorganização dos valores que Hamlet, o filho de um pai assassinado tenta promover no reino usurpado do mesmo pai morto.  Gertrudes, a mãe; Cláudio, o tio e assassino; Ofélia, a namorada; Polônio, pai de Ofélia e um articulador; Horácio, melhor amigo de Hamlet: são essas as personagens que constroem e distribuem, entre outras tantas, os movimentos de Hamlet. Ele deseja cumprir a vingança exigida pelo espírito do pai que teve o trono da Dinamarca roubado pelo irmão. Instauram-se prenúncios de loucura nas falas de Hamlet, articulam-se modos de uma revanche que destrua o caráter falso e hediondo das ações de Cláudio. A morte abate-se sobre Elsinor. O que me fascina nessa tragédia é justamente o pensamento controverso, confuso e ao mesmo tempo tão articulado do príncipe. Um estudante de Wittenberg, um homem das letras e não das armas, astucioso e ao mesmo tempo passional, movido pelo amor e rancor pela morte do pai. Um processo de desconstrução e reorganização de mundo. Ao final, ele morre, assim como todos os seus alvos de vingança. Só resta Horácio, o melhor amigo, a quem fica a missão de manter a verdade sobre suas ações. O resto é silêncio."



Gabriela Silva é professora de Literatura na UFCSPA. Doutora em Letras pela PUCRS, é uma das coordenadoras da Breviário Cursos e do Sarau das Seis. O que mais admira na Sapere Aude! Livros é o acervo variado. E adora a loja, que acha elegante, bonita...


sexta-feira, 19 de abril de 2013

O haikai

Forma poética de origem japonesa que remonta ao século XIII D.C., o haikai (ou haiku, ou haicai) tornou-se conhecido no Ocidente por sua valorização da objetividade e da concisão textual. Em sua fonte primária, segue a regra de conter sempre três versos, sendo que o primeiro e o segundo verso contém cinco ideogramas e o segundo verso, sete, os quais são publicados em japonês em uma única linha vertical. Esse formato foi trazido para a Europa com a ideia de um poema de três versos, sendo o primeiro e o terceiro de cinco sílabas poéticas e o segundo, de sete sílabas.

O haikai nasce sempre de uma cena ou um objeto natural. Para citar assuntos humanos em seus versos, o haijin (escritor de haikais) faz uma pequena reviravolta filosófica na qual coloca o homem não mais como o centro do universo, ou seu observador, mas parte dele. O haikai marca sempre um movimento, uma relação entre o geral e o particular.

O mais famoso haijin foi Matsuo Bashô (1644-1694), autor de alguns dos mais belos textos dessa forma poética. No Brasil, o haikai começou a ser difundido no início do século XX, sendo Afrânio Peixoto considerado o primeiro haicaísta brasileiro. Assim o escritor descreveu essa forma poética japonesa em seu livro Trovas Populares Brasileiras:

 Os japoneses possuem uma forma elementar de arte, mais simples ainda que a nossa trova popular: é o haikai, palavra que nós ocidentais não sabemos traduzir senão com ênfase, é o epigrama lírico. São tercetos breves, versos de cinco, sete e cinco pés, ao todo dezessete sílabas. Nesses moldes vazam, entretanto, emoções, imagens, comparações, sugestões, suspiros, desejos, sonhos... de encanto intraduzível.

Mas o haikai foi, aos poucos, ganhando feições brasileiras. Guilherme de Almeida estabeleceu uma métrica própria, com o primeiro e terceiro versos rimando entre si e o segundo contendo uma rima entre a segunda e sétima sílabas poéticas; o poeta estabeleceu ainda um título para o haikai, o que foge ao que acontece no Japão. Descendentes de imigrantes japoneses, como Masuda Goga, propuseram uma forma mais próxima da original, com três versos e dezessete sílabas poéticas.

O grande incentivador do haikai no Brasil foi, no entanto, Paulo Leminski. Além de escrever diversos textos nesse gênero, o escritor publicou em 1983 uma biografia de Matsuo Bashô. Millôr Fernandes foi outro grande propagador dessa forma poética singular, que via o haicai como "forma frágil, quase volátil, dependendo da imagística mais do que qualquer outra poesia" e "forma fundamentalmente popular e, inúmeras vezes, humorística, no mais metafísico sentido da palavra". Esses dois autores divulgaram a arte dessa forma poética breve japonesa e criaram uma maneira bem brasileira de escrever haicais. Pelos desafios que oferecem aos poetas, os haicais também foram adotados pelos poetas vanguardistas por sua brevidade e impacto visual. Para a Poesia Concreta, o haicai foi visto primeiramente como modelo de composição ideogramática. Outros poetas que se seguiram a essa escola viram no haicai as potencialidades do efeito máximo na forma mínima de poesia.

Alguns exemplos de haikais de autores brasileiros:
Haicais de Paulo Meninski
Haicais ilustrados de Millôr Fernandes
Haicais de Guilherme de Almeida
Haicais de Fanny Dupré
Haicais de Robertson Frizero

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ivan Ilitch e a fragilidade humana


Mais conhecido por seus romances, como Guerra e Paz e Anna Karenina, Lev Tolstoi é considerado um dos maiores escritores do século XIX. Em A Morte de Ivan Ilitch, o autor trata de um tema central pouco explorado na literatura – as transformações morais que a dor física é capaz de motivar nos seres humanos. Contudo, a trama bem construída dessa novela abrange outros tantos temas subjacentes de igual importância.

O personagem-título desta novela escrita em 1886 é Ivan Ilitch, um funcionário público do sistema judiciário da Rússia czarista. No início da trama, Ilitch está morto e seus colegas de profissão comentam seu destino e imaginam as possibilidades de ascensão profissional que o posto vago de Ivan Ilitch pode proporcionar-lhes. A história, então, passa a ter como foco Ilitch, desde suas origens familiares até sua progressão dentro da Justiça russa a partir de sua graduação como advogado. Ele é mostrado como um homem que dava grande importância às aparências, que regeram sua vida desde os primeiros anos após sua diplomação – quando gastou o dinheiro que seu pai lhe presenteou para comprar roupas novas e sofisticadas – até seu casamento com Praskovya Fiodorovna, uma mulher que “vinha de boa família, não era mal apessoada, e tinha algumas propriedades em seu nome”, além de ser “bem relacionada” . Um acidente trivial, ocorrido quando de sua mudança para São Petesburgo, deu início à doença de Ivan Ilitch; a dor torna-o pouco a pouco incapaz de desfrutar as riquezas e o convívio em sociedade que os anos de esforço e a decorrente ascensão social lhes haviam oferecido. Seu sofrimento faz com que ele reflita sobre a efemeridade da vida e a inevitabilidade da morte.
TOLSTÓI, Liev
A Morte de Ivan Ilitch
(trad. Boris Schneiderman)
Editora 34

A novela de Tolstoi foi vista por seus contemporâneos como uma crítica a certo materialismo banal e hipócrita que regia a sociedade russa da época. Tais idéias são sugeridas tanto pelas atitudes da esposa de Ivan Ilitch, que passa a rechaçar o esposo a partir do momento que a doença dele impede-a de freqüentar a sociedade, quanto pelas ações do próprio Ilyich para ascender aos mais altos postos de sua carreira de servidor público – o que é espelhado, posteriormente, nos demais colegas de profissão, outros Ivan Ilyich cujas agruras da vida tratarão de ensinar sobre a fragilidade da condição humana.

A estrutura narrativa de A Morte de Ivan Ilitch mostra o domínio que o autor tinha sobre sua arte: o destino do personagem-título está expresso não só no nome da obra, mas também no primeiro capítulo, que tem lugar no prédio da Corte de Justiça, onde se discute a notícia do falecimento de Ilyich, e na casa do falecido, onde se desenrola seu velório. Contudo, o interesse do leitor é mantido ao longo do texto por uma estrutura narrativa na qual as ações estão encadeadas de modo a impulsionar a leitura para o desfecho final: a universalidade do tema cria no leitor uma identificação imediata, já que os episódios da doença de Ivan Ilitch – seus impedimentos, o discurso vazio dos médicos, os diferentes diagnósticos, as dificuldades proporcionadas pela dor – são experiências comuns a todos os seres humanos.

TOLSTÓI, Liev
A Morte de Ivan Ilitch
(trad. Vera Karam)
Editora L&PM
Mais que tratar da doença física, A Morte de Ivan Ilitch é a história de um homem espiritualmente enfermo que encontra, através do sofrimento físico, seu caminho para o crescimento moral e sua salvação. A trajetória de Ivan Ilyich é uma contraditória jornada de uma vida morta, vazia de sentido, para uma morte na qual o sentido da vida parece ser para ele inteiramente compreendido. Tal caráter moralista – facilmente associável à cosmogonia cristã de redenção pelo sofrimento – coaduna-se perfeitamente com as idéias religiosas de Tolstoi, um crítico ardoroso das religiões dogmáticas, mas um homem profundamente espiritualista.

*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Faça turismo onde bebês dormem ao relento

O blog da Sapere Aude! Livros ganha também a sua seção de humor. LIVROS ESSENCIAIS PARA PESSOAS NEM TANTO... pretende reunir as capas de livros mais engraçadas, bizarras ou inapropriadas já vistas. Nossa coleção promete surpreender a cada semana com uma capa de livro mais inacreditável que a da semana anterior - seja por seu título inesperado, sua ilustração ou fotografia fora de contexto ou sugestiva ou pelo conjunto da obra... 

Começamos com este guia de turismo sobre a América do Sul. Provavelmente da década de 1970, o capista deve ter pensado em captar a atenção dos leitores pelo exotismo do continente desconhecido para os norte-americanos - somente isso pode explicar a escolha da fotografia de capa dentre as centenas de imagens de belíssimos locais dos países abordados no livro que poderiam bem servir como referência. Ou alguém pode imaginar um turista animando-se para vir ao Brasil diante desse convite: "Visite a América do Sul, onde os bebês dormem sobre plantas exóticas no meio de lagos"...

Explorando a América do Sul

Dentro do livro, três filmes

 A Sapere Aude! Livros, além de trabalhar com as últimas novidades do mercado livreiro e abrir suas portas para as novas editoras e as publicações independentes, é também muito solicitada por seu vasto catálogo de livros antigos e raros, com venda para todo o Brasil. Pois é dentro dessas obras mais antigas que são encontrados verdadeiros tesouros que a equipe da livraria vem guardando com carinho. Marcadores de página antigos, mas também fotografias, documentos, bilhetes, cartas, recortes de revista e os mais inusitados objetos, usados para que seus donos não perdessem a página em que tinham interrompido a leitura, fazem parte desta coleção que iremos revelar aqui a cada semana. Nesta seção, mostraremos algumas dessas preciosidades, como o programa que anunciava "jóias do escrínio artístico" de seus promotores para a diversão das tardes (clique na foto acima para ampliar)

Lil Dagover
Esse marcador de páginas improvisado e esquecido dentro de um livro convidava para a apreciação de uma programação de três filmes em sequência - pesquisando pela data em que esses filmes foram produzidos e posteriormente exibidos no Brasil, deduzimos que o programa é do ano de 1929. "Por que choras, palhaço?", um obscuro filme do grande ator sueco Gösta Ekman, é uma obra de tal modo obscura que nem consta na filmografia do ator. Já "Os escravos do Volga", produção de 1928, foi uma das primeiras estrelada pela atriz argentina Mona Maris, que teve uma carreira internacional por falar fluentemente o francês e o alemão, mas recusada por Hollywood por não falar inglês. E "Lábios selados", uma produção alemã de 1928 com Lil Dagover, atriz que ficara famosa à época por participar do clássico filme "O Gabinete do Doutor Caligari", de 1920 (foto acima)

Novidades no nosso blog!

Blog da Sapere Aude! Livros
 ganha novas seções
O blog da Sapere Aude! Livros ganha a partir de hoje novas seções e um novo webmaster. A convite da livraria, o escritor Robertson Frizero será o responsável pela editoria e manutenção de nosso blog. Frizero, um dos coordenadores da Breviário Cursos, ministra oficinas de literatura na Sapere Aude! Livros desde 2011.

Com a entrada de Frizero, o blog ganha novas seções que contarão, inclusive, com uma maior participação dos leitores e clientes da livraria:

  • O blog ganhará novos COLUNISTAS que escreverão sobre os mais diversos temas relacionados ao mundo dos livros.
  • MEU LIVRO PREFERIDO é o nosso espaço para que a equipe e os clientes da Sapere Aude! Livros fale sobre os livros que de alguma forma marcaram suas histórias como leitores. Toda segunda-feira, uma nova declaração de amor.
  • A seção COM A PALAVRA trará todas as terças-feiras frases célebres e trechos de entrevistas concedidas por autores célebres.
  • DENTRO DOS LIVROS é uma seção que trará todas as quartas-feiras imagens curiosas de objetos e inscrições encontradas em livros usados comercializados em nossa livraria. Há verdadeiras preciosidades que nossa equipe vem colecionando há anos e que somente agora serão apresentadas aos nossos amigos leitores.
  • LIVROS ESSENCIAIS PARA PESSOAS NEM TANTO é uma coluna de humor de Robertson Frizero que traz todas as quartas-feiras alguns livros com títulos ou capas inusitados ou bizarros.
  • LEITURAS OBRIGATÓRIAS é a seção das resenhas, que sairá todas as quintas feiras com informações e comentários sobre literatura para todas as idades.
  • CRIAÇÃO LITERÁRIA trará às sextas-feiras textos sobre a arte de escrever nos mais variados gêneros literários.
  • NOVIDADES é a seção que trará sempre boas dicas de leitura dentre as obras dos mais diversos gêneros à venda na Sapere Aude! Livros.
Participe do nosso novo blog. Envie seus comentários, sugestões e críticas ao nosso novo webmaster pelo endereço:admin@sapereaudelivros.com.br .