sexta-feira, 30 de maio de 2014

Você sabe?!?... OS VAMPIROS ENSINARAM-NOS COMPORTAMENTO SOCIAL



por Mires Batista Bender


O vampiro é uma personagem muito frequente nas histórias de horror, sendo retomada através dos anos, em diferentes versões.

Segundo a lenda, é um ente de hábitos noturnos, que se alimenta de sangue humano, tem grande poder de sedução sobre suas vítimas e não suporta a luz do dia. Apesar de praticamente imortal, pode deixar de existir se lhe for cravada uma estaca de madeira no coração.

Os relatos sobre esta figura “mitológica” são antigos e aparecem em narrativas de muitos povos desde a Suméria e a Mesopotâmia.

Em 1819, o médico inglês John Polidori publicou O vampiro, considerado primeiro conto sobre o tema em língua inglesa. Polidori era interessado em literatura fantástica e pesquisador de relatos sobre vampirismo. Amigo particular do grande escritor Lord Byron, inspirou-se num de seus contos para escrever o texto sobre vampiros. Apesar de introduzir diversas modificações, a personagem de Polidori, conserva as principais características do protagonista do conto byroniano: o ar aristocrático, o impulso conquistador e a eloquência, que iriam inspirar o Drácula escrito por Bram Stoker em 1897.

Lord Ruthwen, o protagonista do texto de Polidori, viaja pela Europa infiltrando-se na alta sociedade e, valendo-se das facilidades que sua figura carismática e preparada lhe traz, seduz as jovens filhas dos ricos aristocratas. Conquistadas, as moças tornam-se vulneráveis e lhe entregam sua virgindade e sua honra.

Muitos autores referem às histórias de vampiros difundidas na Inglaterra vitoriana (1837-1901) como um libelo contra a excessiva liberalidade sexual, que os anos de crescimento econômico e desenvolvimento científico deste período estariam proporcionando.

Aludem à utilização da lenda com o fim de passar à população uma mensagem moralizante, a partir das referências a doenças transmitidas através do sangue e da promiscuidade sexual. Em sua necessidade de se alimentar de diferentes corpos a todo o momento, o comportamento do vampiro denunciava a conduta promíscua, que indicava atitude lasciva e sensual, indesejada em sociedade. Além disso, a ligação do vampirismo à sífilis, doença que se prolifera a partir do ato sexual, é adequada, em meados do século XIX, aos propósitos dos governantes preocupados com a saúde da população.

É interessante notar que, como pode ser percebido no livro de Bram Stoker, a história parece estar centrada na necessidade de salvação das mulheres contra os males que um comportamento libidinoso e independente pode lhes trazer. Mina, a heroína em constante perigo, só consegue paz com a ajuda de um grupo de típicos heróis masculinos produzidos pelo século XIX: um cientista, um médico, um advogado, um aristocrata e um americano. Sua amiga Lucy, já completamente perdida, precisa receber do noivo um golpe com a estaca de madeira e depois ter sua cabeça decepada.

Coincidência ou não, o livro de Bram Stoker é publicado em 1897, mesmo ano em que se funda a União Nacional pelo Sufrágio Feminino.


O fato é que as mulheres parecem ser o alvo dessas histórias e o motivo de ganharem tamanha ênfase naquele momento. Durante o século XIX começa a despontar o que passaria a ser chamado de “nova mulher”, termo que começou a ser usado no final do século XIX para designar um grupo diferente que se formara no centro da classe média europeia: mulheres não apenas educadas e letradas, mas que estabeleciam projetos e não se satisfaziam com a possibilidade de encontrar um marido. Exatamente como a estenógrafa Mina e a extravagante Lucy da obra de Stoker. 


De acordo com a historiadora Nikelen Witter, o tema trazido pelo romance parece cada vez mais atual, devido a uma crescente onda de abusos contra mulheres que a mídia retrata cotidianamente “alguns testando nossas crenças, outros nossa tolerância”.

Muitos de nós ainda procuramos justificativas para a moda contemporânea das histórias de vampiros, que ocupou com força seu lugar nos livros, no cinema e na TV, em um tempo consagrado às liberdades individuais.

Talvez o distanciamento histórico nos permita avaliar melhor os vampiros modernos. Enquanto não acontece, podemos pensar sobre a riqueza dos símbolos trazidos pela lenda e em sua contribuição ao imaginário coletivo.  



* Mires Batista Bender, doutora em Letras pela PUCRS, acredita que as palavras são magia e fez delas seu ofício. Professora de línguas e Literatura criou o primeiro fã-clube de escritor para homenagear a união entre seus maiores prazeres: pessoas e poesia. Interessada e curiosa por todos os temas que fazem fluir o poético, conversa sobre eles nesta coluna...

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Rassul e a justiça impossível

Atiq Rahimi

A literatura de Atiq Rahimi é profundamente marcada por sua formação como cineasta e sua origem afegã. Radicado na França desde os vinte e dois anos de idade, o escritor tornou-se uma das vozes mais proeminentes oriundas do Afeganistão, cenário de todas as suas obras e fonte inesgotável de suas histórias de um profundo humanismo. Como exilado político, pôde retratar com liberdade os efeitos das inúmeras guerras pelas quais passou o país, mostrando com perturbadora franqueza como diferentes tipos de tirania afetaram a vida social de seus compatriotas. 

Nascido em Cabul, Afeganistão, em 1962, Atiq Rahimi conhece bem os cenários de seus livros. Exilado na França desde 1984, fugindo do alistamento no Exército pró-soviético e da censura, tornou-se doutor em Cinema pela Sorbonne e, como cineasta, dedica-se aos documentários e filmes de ficção, incluindo a versão cinematográfica de seu livro de estreia, Terra e Cinzas (2004), escolhida como representante do Afeganistão no Oscar 2004, e do romance Pedra-da-paciência (2012), indicado do país para o Oscar 2013. Escrevendo em dari, variação do farsi falada no noroeste do Afeganistão, ou em francês (caso de seus dois mais recentes romances), Rahimi mostra um grande domínio da narrativa e um profundo gosto pela intertextualidade na composição de suas histórias.

RAHIMI, Atiq. Maldito Seja Dostoiévski (Estação Liberdade, 2010)
Esse é o caso de Maldito Seja Dostoiévski, seu quarto romance e o mais recente a ser lançado no Brasil, onde toda a sua obra tem sido publicada com regularidade. Nesse romance, Rahimi oferece-nos a história de Rassul, uma espécie de Raskólnikov afegão para quem não há reparação possível por conta de seu crime. Se em Crime e Castigo, o romance dostoievskiano com o qual o livro dialoga ironicamente, o protagonista encontra a redenção, no cenário proposto pelo autor afegão resta apenas a culpa para Rassul: estamos no Afeganistão dos anos 1990, em plena guerra civil, tempos nos quais a Justiça foi eclipsada pela ascensão ao poder dos talibãs, grupo extremista muçulmano que libertaria o país do jugo soviético apenas para mergulhá-lo em tempos ainda mais trevosos. 

Rassul é bibliotecário da Universidade de Cabul e, tendo estudado na Rússia entre 1986 e 1989, guarda em sua casa livros russos e é, por isso, visto como comunista - crime considerado pior que o de ter assassinado uma velha cafetina. A busca de Rassul, corroído pelo remorso e pela culpa, torna-se a de encontrar um juiz justo - e nisso reside a genialidade da releitura de Rahimi, que une nessa jornada de absurdo Dostoiévski, Kafka e Camus em um romance que, segundo o autor, encerra seu ciclo pessoal de obras sobre o Afeganistão. Ao mesmo tempo em que anseiam por suas próximas propostas, seus leitores talvez fiquem desolados com a notícia - já que nunca houve uma voz que nos falasse de seu país natal como a desse autor genial.

*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.
  

 




segunda-feira, 26 de maio de 2014

Meu livro preferido é... TRATADO DE POLÍTICA

"Meu livro preferido é o Tratado da Política, do Aristóteles. Foi escrito antes de 322 a.C., que foi quando esse homem morreu. Eu o li pela primeira vez no comboio. No regional para Aveiro, acho.

Escolhi às pressas na banca de jornais da estação de comboios, porque precisava ler alguma coisa e já tinha lido os jornais no café. Era daqueles mais baratos e a ideia era jogar fora quando saísse do comboio. Mas gostei e guardei. Se guardei, é porque merece ser lido pelos leitores dessa Revista de História.

Reparei que muitos dos sistemas políticos de agora já existiam há 2.300 anos. De então pra cá, não se evoluiu muito nesse sentido. Conheci, uma vez, um homem que dizia que tinham sido extraterrestres a dar essas ideias ao Aristóteles e que, por ser preciso ser muito avançado para ter ideias dessas, nunca mais ninguém as teve. Mas não sei se acredito muito nessa teoria.

Fiz um resumo e, quando é preciso, leio só esse resumo. O meu poder negocial, patrimonial e financeiro advém da leitura de clássicos de gestão política e manipulação humana. Esta obra insere-se nesse grupo restrito de obras."

*Bruno Aleixo é personagem do coletivo de humor português Gana, formado por João Moreira, João Pombeiro e Pedro Santo. O "depoimento" foi dado à Revista de História (Brasil). Quer conhecê-lo melhor? Assista a um episódio de seu programa na TV SIC Radical.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Você saber?!?... PORQUE FERNANDO PESSOA FOI CHAMADO "O VIRGEM NEGRA"



por MIres Batista Bender

Considerado o maior poeta de língua portuguesa depois de Luís de Camões, Fernando Pessoa faleceu no ano de 1935, de cólica hepática ou “bloqueio intestinal” – de acordo com seu atestado de óbito – e foi enterrado no jazigo da família, no Cemitério dos Prazeres.
Em 1988, por ocasião do centenário de seu nascimento, os restos mortais foram trasladados para o Mosteiro dos Jerônimos, em Belém, na cidade de Lisboa. É uma justa homenagem ao grande poeta, pois o Mosteiro é considerado patrimônio mundial pela UNESCO e eleito uma das sete maravilhas de Portugal. Lá, Pessoa repousa entre os túmulos de D. Manuel, D. Sebastião, D. Henrique, Vasco da Gama e Luís de Camões.

Um fato curioso marca o traslado dos restos mortais de Fernando Pessoa. Consta que ao abrirem a urna em que estava depositado o corpo do poeta, este teria sido encontrado em perfeito estado de conservação, apenas enegrecido. 


Em 1989, o principal nome do Surrealismo português, Mário Cesariny, escreveu um livro intitulado O virgem negra – Fernando Pessoa explicado às criancinhas naturais e estrangeiras. Segundo depoimento de Claudio Willer, este título faz referência ao episódio da abertura do caixão do poeta e ao descobrimento daquele corpo ainda incorrupto, 53 anos após sua morte.

De teor “complexo”, “esdrúxulo” e “agressivo”, como o definiu o grande crítico e poeta Claudio Willer, o livro de Cesariny oferece grande interesse e pode ser assunto demorado para o nosso tema “curiosidades literárias”, obra de que poderemos tratar em outra ocasião. 


O texto do poeta surrealista possui traços marcantes, que são resaltados por Willer em seus ensaios sobre o livro. Uma dessas marcas aparece no relato de um pseudo depoimento de Fernando Pessoa, depois de morto, opinando sobre as comemorações de seu centenário e o traslado de seus restos mortais: “O Virgem Negra, tal me descobriram/ Cincoenta anos depois,/ Em minha infusão estou. Tombam, deliram/ Em vão quantos seguiram” (excerto do ensaio de Claudio Willer “Alguns comentários sobre O virgem negra – Fernando Pessoa explicado às criancinhas naturais e estrangeiras” – disponível em http://triplov.com).
 
Este é apenas um dos muitos mistérios que envolvem a vida e obra do poeta dos heterônimos, cujo trabalho ainda está sendo desvendado nos mais de vinte e sete mil documentos encontrados na mítica arca que o poeta conservava trancada em seus aposentos, e que guardava o tratado de uma existência poética em forma de versos, ensaios e reflexões sobre a vida e a estética, somente aberta depois de sua morte.





* Mires Batista Bender, doutora em Letras pela PUCRS, acredita que as palavras são magia e fez delas seu ofício. Professora de línguas e Literatura criou o primeiro fã-clube de escritor para homenagear a união entre seus maiores prazeres: pessoas e poesia. Interessada e curiosa por todos os temas que fazem fluir o poético, conversa sobre eles nesta coluna...