quinta-feira, 18 de abril de 2013

Ivan Ilitch e a fragilidade humana


Mais conhecido por seus romances, como Guerra e Paz e Anna Karenina, Lev Tolstoi é considerado um dos maiores escritores do século XIX. Em A Morte de Ivan Ilitch, o autor trata de um tema central pouco explorado na literatura – as transformações morais que a dor física é capaz de motivar nos seres humanos. Contudo, a trama bem construída dessa novela abrange outros tantos temas subjacentes de igual importância.

O personagem-título desta novela escrita em 1886 é Ivan Ilitch, um funcionário público do sistema judiciário da Rússia czarista. No início da trama, Ilitch está morto e seus colegas de profissão comentam seu destino e imaginam as possibilidades de ascensão profissional que o posto vago de Ivan Ilitch pode proporcionar-lhes. A história, então, passa a ter como foco Ilitch, desde suas origens familiares até sua progressão dentro da Justiça russa a partir de sua graduação como advogado. Ele é mostrado como um homem que dava grande importância às aparências, que regeram sua vida desde os primeiros anos após sua diplomação – quando gastou o dinheiro que seu pai lhe presenteou para comprar roupas novas e sofisticadas – até seu casamento com Praskovya Fiodorovna, uma mulher que “vinha de boa família, não era mal apessoada, e tinha algumas propriedades em seu nome”, além de ser “bem relacionada” . Um acidente trivial, ocorrido quando de sua mudança para São Petesburgo, deu início à doença de Ivan Ilitch; a dor torna-o pouco a pouco incapaz de desfrutar as riquezas e o convívio em sociedade que os anos de esforço e a decorrente ascensão social lhes haviam oferecido. Seu sofrimento faz com que ele reflita sobre a efemeridade da vida e a inevitabilidade da morte.
TOLSTÓI, Liev
A Morte de Ivan Ilitch
(trad. Boris Schneiderman)
Editora 34

A novela de Tolstoi foi vista por seus contemporâneos como uma crítica a certo materialismo banal e hipócrita que regia a sociedade russa da época. Tais idéias são sugeridas tanto pelas atitudes da esposa de Ivan Ilitch, que passa a rechaçar o esposo a partir do momento que a doença dele impede-a de freqüentar a sociedade, quanto pelas ações do próprio Ilyich para ascender aos mais altos postos de sua carreira de servidor público – o que é espelhado, posteriormente, nos demais colegas de profissão, outros Ivan Ilyich cujas agruras da vida tratarão de ensinar sobre a fragilidade da condição humana.

A estrutura narrativa de A Morte de Ivan Ilitch mostra o domínio que o autor tinha sobre sua arte: o destino do personagem-título está expresso não só no nome da obra, mas também no primeiro capítulo, que tem lugar no prédio da Corte de Justiça, onde se discute a notícia do falecimento de Ilyich, e na casa do falecido, onde se desenrola seu velório. Contudo, o interesse do leitor é mantido ao longo do texto por uma estrutura narrativa na qual as ações estão encadeadas de modo a impulsionar a leitura para o desfecho final: a universalidade do tema cria no leitor uma identificação imediata, já que os episódios da doença de Ivan Ilitch – seus impedimentos, o discurso vazio dos médicos, os diferentes diagnósticos, as dificuldades proporcionadas pela dor – são experiências comuns a todos os seres humanos.

TOLSTÓI, Liev
A Morte de Ivan Ilitch
(trad. Vera Karam)
Editora L&PM
Mais que tratar da doença física, A Morte de Ivan Ilitch é a história de um homem espiritualmente enfermo que encontra, através do sofrimento físico, seu caminho para o crescimento moral e sua salvação. A trajetória de Ivan Ilyich é uma contraditória jornada de uma vida morta, vazia de sentido, para uma morte na qual o sentido da vida parece ser para ele inteiramente compreendido. Tal caráter moralista – facilmente associável à cosmogonia cristã de redenção pelo sofrimento – coaduna-se perfeitamente com as idéias religiosas de Tolstoi, um crítico ardoroso das religiões dogmáticas, mas um homem profundamente espiritualista.

*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

Nenhum comentário:

Postar um comentário