quarta-feira, 11 de junho de 2014

CRÔNICA DA SEMANA: My life as a ghostwriter


Tenho uma confissão a fazer: já fui um fantasma.

Tudo começou quando, há alguns anos, uma amiga pediu que eu escrevesse a história de vida de seu pai para participar em um concurso cultural. Assumi o compromisso com uma seriedade que ela talvez não imaginasse - entrevistei o pai dela, pesquisei algumas referências, redigi o texto final usando alguns recursos literários. O texto, que seguiu para o tal concurso assinado pelo pai de minha amiga, foi premiado.

Depois, outras oportunidades surgiram. Hoje, sem jamais ter anunciado meus serviços, já somo alguns trabalhos publicados, entre autobiografias e biografias. Ainda não recebi proposta, nem sei se aceitaria, para escrever ficção que seja depois publicada em nome de outro. Esse é, afinal, o ofício que os americanos chamam de ghostwriter ou, no caso dos especializados em escrever discursos, speechwriter

Jamais havia revelado isso antes por conta de certo preconceito que ainda existe no Brasil contra essa digna ocupação de um escritor. Em um país como o nosso, em que o Romantismo fez, dos artistas, seres divinizados, dizer que se aceitou um trabalho de escritor-fantasma é quase uma heresia, praticamente um pacto fáustico de um escritor a vender sua arte ao demônio das contas no fim do mês. Sinto-me mais alinhado com a cabeça dos escritores de países como os Estados Unidos e Canadá, onde a profissão - sim, há escritores-fantasmas sindicalizados - é vista não como uma fraude consensual, mas como uma forma de fazer chegar à publicação histórias de interesse geral cujos protagonistas não tem talento para colocar no papel.

É assim que vejo esse trabalho que surgiu para mim de forma absolutamente inesperada. As histórias não são minhas, mas eu ajudo a que elas tomem a forma de um texto agradável ao leitor. Para chegar a um resultado satisfatório, criei também minha própria metodologia fantasmagórica.

O princípio de todo bom livro é que o autor conheça em profundidade o tema sobre o qual escreve. No caso do ghostwriter, é preciso também incorporar um pouco da alma de quem se escreve, digamos assim: não basta ao escritor criar um texto em seu estilo particular e emprestá-lo àquele que o assinará nas capas dos livros - é essencial que, na medida do possível, o escritor-fantasma capture algo do estilo de expressão de seu cliente, seja a palavra escrita ou falada. Para tal, começo sempre com uma série de entrevistas, que costumo gravar, iniciando por um breve relato do conteúdo da obra até ir aprofundando, em visitas futuras, os detalhes de cada passagem obscura. Não raro, recorro também a uma pesquisa histórica que corrobore - ou corrija - as impressões surgidas na entrevista, e já recorri também a entrevistas com parentes e amigos de certo cliente para quem escrevi uma autobiografia. Com esse material em mãos, coloco meu cliente em seu texto e...desapareço literariamente. Uma qualidade essencial ao fantasma, afinal, é ser invisível. 

A segunda e importante qualidade para um ghostwirter é o sigilo. Por mais que eu me encante pelo sucesso de um dos textos que psicografei para uma autobiografia, ela não pertence a mim e fui bem pago por ela. Atualmente, estou escrevendo dois textos como ghostwriter, um deles certamente terá boa repercussão, mas jamais direi a ninguém que obras são essas e quem são meus clientes. Outra qualidade essencial ao fantasma é permanecer no além-túmulo editorial.

Eis minha confissão: já fui um fantasma. Mas ainda atenderia às demandas terrenas com todo o prazer que o trabalho bem remunerado pode trazer a um escritor. Mea culpa, mea maxima culpa.

*Robertson Frizero é escritor, tradutor e dramaturgo. Coordena e ministra oficinas de Criação Literária na Sapere Aude! Livros, além de coordenar o Clube de Leitores da livraria. 

**Neste espaço, semanalmente, serão publicados textos de autoria dos clientes e leitores da Sapere Aude! Livros. Veja como participar aqui.

Um comentário:

  1. Olá, Robertson,

    Adorei seu post e seu estilo de escrever. Amo as letras, escrevo desde criança e passei a vida trabalhando com palavras, desde revisão até tradução e redação. Agora decidi tentar ganhar a vida como ghost writer, pois cheguei àconclusão de que esse negócio de texto técnico, marketing, Web e companhia não me alimenta a alma. Tenho bastante experiência, textos publicados e (o que parece ser valorizado) diploma de jornalismo. Será que você poderia me dar sugestões de como posso encontrar clientes que queiram escrever uma biografia, livro de autoajuda, etc.?

    Obrigada e um abraço,

    Nicole

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