sexta-feira, 26 de abril de 2013

"Não há nada de novo no novo": a poesia neoformalista



Há uma nova corrente na poesia norte-americana que se contrapõe a todas as tendências que se poderia esperar dos poetas do século XXI. Seu nome surgiu dos textos daqueles que criticavam seu comportamento chamado de materialista e conservador - e de um ensaio assinado por Dana Gioia, em 1987, no qual o poeta e crítico literário estadunidense defendia as idéias dos novos poetas ao apontar os erros e descaminhos da chamada poesia pós-modernista.


A nova poesia cujo surgimento Gioia louvava era o oposto das experimentações por vezes contrárias à própria idéia de texto poético como até então se entendia; contrapunha-se, nas palavras do crítico estadunidense, ao "informalismo" e "aformalismo" da poesia pós-moderna, cuja "canonização" teria levado à "degradação da linguagem poética, prolixidade da lírica, falência do modo confessional, falha em estabelecer uma estética significante para uma nova narrativa poética e a recusa de uma textura musical dentro do poema contemporâneo".


Os neoformalistas, como viriam a ser conhecidos esses novos poetas, pregam um resgate dos formatos canônicos de metrificação, mas a partir de um repensar contemporâneo sobre tais formas. Tal retorno ao passado da poesia - um regresso não tão distante, já que as formas poéticas mais tradicionais jamais deixaram de ser admiradas e mesmo praticadas pelos poetas do século XX - não é, contudo, um retrocesso temático, já que os neoformalistas escrevem, em geral, sob um ponto de vista mais autobiográfico, mas usando elementos cotidianos e contemporâneos para tecer uma lírica inovadora, bem como de temas sociais sem que, contudo, caia nas armadilhas fáceis da poesia engajada. em outras palavras, eles pregam o retorno das rimas, do ritmo e das formas poéticas consagradas, para com essas formas tradicionais cantar o mundo em que vivemos.


O neoformalismo, como era de se esperar, encontrou seus detratores. A maioria deles acusa os neoformalistas de ressuscitar a forma em detrimento das imagens poéticas, mas há até mesmo os que associam o resgate desses novos poetas aos versos jâmbicos com uma forma de "fascismo literário". Argumentam eles, os que renegam os neoformalistas, que ritmos interessantes e sonoridades oriundas da mera junção de palavras podem existir mesmo em textos sem qualquer sentido. Um de seus maiores opositores, Ira Sadoff, diz em seu ensaio Neo-formalism: a Dangerous Nostalgia que os "poemas que privilegiam o som e a métrica são conservadores não tanto por privilegiarem a tradição, mas por descontextualizarem a poesia". Na visão de Sardoff, o fato de os neoformalistas narrarem o cotidiano da vida corrente por meio de "versos metricamente perfeitos" é uma forma de "diminuir as ambições da arte".


Para fazer uma avaliação mais abalizada, sem dúvida faz-se necessário ler os poemas dos neoformalistas. Como em todas as chamadas escolas literárias, há poemas de uma inventividade cativante e outros que são dispensáveis. Mas, como nesses versos metrificados e rimados, relembrando as críticas de Sadoff, não é também possível escrever toda uma poesia em versos livres que não faça o menor sentido? Ou serão os versos livres uma garantia prévia de que o poeta está cumprindo "as ambições da arte" e atingindo conteúdos superiores de entendimento e profundidade poética?


Parece haver na crítica aos neoformalistas um retrato do preconceito que gira em torno da pseudo-liberdade em que se deita a chamada arte pós-moderna, na qual seu espírito fragmentado e acolhedor de todas as possibilidades é excludente, em verdade, das formais mais tradicionais de poesia - e mesmo de narrativa em prosa -, como se não fosse mais possível a um escritor contemporâneo criar textos novos a partir de ferramentas consagradas pelo cânone literário. Sobre esse preconceito, aliás, há um divertido poema de um dos neoformalistas mais atuantes, George Held, chamado Some Editors, no qual ele fala de suas frustrações na tentativa de publicar seus poemas metrificados:


Some editors reject and chide me
Alguns editores rejeitam-me e ralham
'Send us no rhyme and no meter'.
'Não nos mande rima ou metrificação'
They'd turn down Frost, Yeats and Heaney;
Dispensariam Frost, Yeats e Heaney
I pray they're turned down by St. Peter
Rezo para que eles sejam dispensados por São Pedro.

René Magritte - "O Poeta Recompensado" (1956)
Como diz o verso de Held, alguns dos editores contemporâneos dispensariam até mesmo a poesia de mestres como "Frost, Yeats e Heaney", caso eles fossem hoje jovens poetas em busca de publicação, pela simples razão de eles escreverem usando rimas e métrica. Estarão as profundezas filosóficas dos poemas de Frost destituídas de importância porque ele contava as sílabas métricas? Teriam sido mais valorosos os poemas de Yeats caso ele não se preocupasse com as rimas? As respostas a tais perguntas parecem simples e apontam para uma constatação: os modernistas deixaram-nos uma herança cruel, uma necessidade incontestável de buscar a inovação a qualquer preço. Não só na literatura, mas também em outras tantas artes, essa total tirania da novidade fez com que os iconoclastas fossem laureados muitas vezes apenas por quebrar ícones, e não por conta de uma capacidade sua de construir novas formas em que a arte se renovasse para o tempo presente. Nesse mesmo sentido, muitos artistas de valor acabam sendo desprezados pelo simples motivo de criarem suas obras sem esquecerem por completo dos alicerces nos quais a arte foi construída ao longo dos tempos. Talvez seja este o caso de alguns desses poetas neoformalistas, cuja mera menção a rimas, versos metrificados e estrofes cause a repulsa de seus detratores.


Mas, será que ainda há coisas realmente novas por criar? Talvez fosse interessante deixar que o poema Nothing New, do neoformalista Michael Curtis, traga algumas luzes a este questionamento pertinente nesses tempos de pós-modernidade:


There is nothing new in the new;
Não há nada de novo no novo;
There never will be, and never was.
Nunca haverá, nem nunca houve.
Never has novelty told the truth;
Tampouco a novidade disse a verdade;
Novelty is never new, because
A novidade nunca é nova, porque
In the moment of making, new
No momento em que são feitas, as novas 
Things are old, than older: This is true.
coisas são velhas, depois mais velhas ainda: isto é fato.

*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

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