por Patrícia Degani
Neil Gaiman |
Os leitores de Fantasia sabem que muitas histórias usam lendas celtas e nórdicas como base dos seus mundos fantásticos. O principal motivo disso é a força que o gênero fantástico tem no mundo anglo-saxão. Na Inglaterra, obras como Alice no País das Maravilhas de Lewis Carrol ou 1984 de George Orwell são consideradas clássicos da Literatura e não de um gênero específico.
Mas nada impede que escritores de outros quadrantes resolvam usar mitologias diferentes como inspiração de suas criações. Uma delas são as diversas mitologias africanas. A tradição caribenha e nigeriana está presente, por exemplo, nessas três obras: Anansi Boys, de Neil Gaiman; Akata Witch de Nnedi Okorafor e Wild Seed de Octavia C. Butler.
Anansi Boys, de Neil Gaiman |
Neil Gaiman parte da cultura caribenha para escrever o divertido Anansi Boys. Criador da série em quadrinhos cult Sandman, Gaiman tem um texto leve e bem-humorado. Nessa história o herói é o trickster Anansi e seus filhos gêmeos que precisam enfrentar uma ameaça do mundo espiritual.
Akata Witch, de Nnedi Okorafor. |
Okorafor situa sua história na Nigéria em Akata Witch, tendo como ponto de partida a cultura Igbo. A série da escritora tem ecos de Harry Potter e de Percy Jackson, porém a cor local é tão original e a visão de mundo tão contrária à americana ou inglesa que o resultado é muito interessante. Por exemplo, o ensino formal tem pouco peso no mundo ficcional de Okorafor. A experiência e saber "se virar" são coisas muito mais importantes. É um romance infanto-juvenil bem escrito, cuja originalidade está nesse fundo cultural diferente do que se está acostumado. Para o leitor brasileiro, momentos de identificação serão constantes, uma vez que a Nigéria é um dos berços da cultura africana no Brasil (os Orixás). A protagonista é uma negra albina e Okorafor faz a defesa das diferenças como algo especial, portador de magia.
Wild Seed, de Octavia C. Butler. |
Por fim, Wild Seed também usa a mitologia da mesma região africana de Akata Witch, mas é um romance com conteúdo mais adulto. A trama segue dois seres mágicos africanos - Doro e Anyanwu - e sua saga no Novo Mundo, na época do tráfico negreiro.
Essa pequena seleção de três livros mostra como é possível criar universos fantásticos interessantes sem fazer uso de mitologias que estão distantes da própria cultura em que se vive. Celtas e nórdicos não deixaram marcas entre nós. Eles não estão nos nossos gestos, falas e pensamentos, a não ser como um imaginário emprestado. É interessante ler sobre eles, mas porque não escrever sobre aquilo que carregamos conosco?
*Patrícia Degani é mestre em Filosofia Antiga e Medieval pela PUCRS. Leitora e pesquisadora da literatura de Fantasia, escreve regularmente no blog Lendo Fantasia. É uma das coordenadoras da Breviário Cursos.
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