sexta-feira, 17 de maio de 2013

O bom texto

"Palavras apropriadas nos lugares apropriados." (Jonathan Swift)
 

Mitchell Ivers, no manual de escrita que compôs a pedido da editora Random House, recorda que "todos nós sabemos o que é escrever bem", já que somos desde muito cedo expostos a textos capazes de nos cativar e outros que em pouco tempo nos fazem perder o interesse pela leitura. O que os diferencia, basicamente, é o que Ivers chama de "uma qualidade difícil de definir mas que está presente em todo bom texto" - o estilo.

Pode-se definir estilo textual como a forma particular e extra-formal como o escritor se utiliza da linguagem escrita para escrever. Tal condição nasce de uma longa exposição à palavra escrita, mas também de uma prática contínua e de um trabalho árduo na composição de textos. Ler bons textos é a melhor maneira de aprender a como fazer bons textos, e é nesse sentido que o contato com a obra de outros autores é essencial para um escritor: é observando o que funciona é que se vai desenhando o estilo, ao se aplicar as mesmas estratégias em seu próprio texto. Nessas experimentações e observações de seu próprio texto e das obras de outros autores, o escritor constrói suas crenças sobre o que faz um texto ser ou não efetivo em sua comunicação com o leitor.

Estilo, como o pensavam os clássicos, pode ser observado a partir das escolhas do autor sobre o tom, a escolha vocabular, a estrutura frasal e o uso de figuras de linguagem e pensamento. Muitos aspirantes a escritor costumam confundir “estilo” com as “idiossincrasias” do escritor, e associam aos autores mais experimentais a noção de que "eles têm um estilo próprio"; na busca de terem também um "estilo", tentam imitá-los, sem o mesmo sucesso. Esquecem­se, porém, que para romperem com as convenções, precisam antes conhecê-las em profundidade, para alcançarem seus objetivos com o texto mesmo ao desprezá-las.

Três características são sempre observadas naqueles textos que, em geral, consideramos efetivos: o propósito, a forma e a adequação.

Escrever com propósito significa ir direto ao ponto. A ausência de propósito faz com que o escritor fique a vagar entre um tópico e outro, sem desenvolver nenhum deles satisfatoriamente. Sem o propósito claro sobre o que quer escrever, o autor correrá o risco de diminuir o próprio tema central de seu texto e não saber como selecionar de seu trabalho o que é realmente essencial para a obra. É o propósito que direciona também a escolha do estilo apropriado para cada texto.

A forma na escrita é muitas vezes sugerida pelo propósito de cada texto. Algumas formas são mais rígidas que outras, mas de qualquer modo elas irão pressupor uma determinada estrutura que auxilia no ato de composição do texto - por mais que as estruturas textuais sejam combináveis e até mesmo passíveis de serem desmontadas ou rompidas.

Escrever com adequação significa combinar os elementos textuais de modo a atingir o interlocutor imaginado para aquele texto. A simples resposta à pergunta "para quem escrevo esse texto?" dá indicações ao escritor do tom e da escolha vocabular mais adequados para sua obra. Não se trata aqui de limitações estabelecidas com base na moral, nos costumes ou no policiamento ideológico daquela sociedade para a qual se escreve: algumas convenções existem para serem rompidas e há um efeito nessa ruptura que pode ir ao encontro do propósito do autor. Mas alguns tons e escolhas vocabulares são mais adequadas para se estabelecer a comunicação entre o texto literário e certos tipos de leitores. O importante é que o autor consiga identificar isso e use suas escolhas a seu favor.


Ivers lista três erros comuns de tom que geralmente são encontrados nos textos: formalidade excessiva, humor "fora de hora" e raiva mal direcionada. A formalidade excessiva costuma vir de uma insegurança do autor em relação à sua autoridade para falar do tema. O chamado "humor fora de hora" ou o excesso de intimidade também é oriundo de certa insegurança do autor, mas aqui na forma de uma busca por aprovação - seu uso inapropriado, assim como o do sarcasmo ou ironia, podem facilmente destruir um texto. E a raiva, por mais genuína que seja, raramente é persuasiva - melhor efeito consegue o autor que combina uma argumentação racional com uma paixão verdadeira pelo argumento que defende.

Em se tratando de prosa literária, podemos dizer que os textos considerados efetivos pelos leitores costumam apresentar alguns pontos em comum: contêm imagens expressas de forma simples e escolhidas com cuidado, metáforas eficientes e uma linguagem capaz de evocar sentimentos e conduzir o leitor ao estado mental desejado pelo escritor. As formas como se pode atingir essa efetividade em seus textos é tão variada quanto o número de escritores hoje em atividade. Conhecer suas obras e escolher, entre eles, aqueles autores que, em sua opinião de leitor, melhor efeito alcançam em sua prosa é a melhor forma de construir seu próprio estilo e aprimorar seu texto.

*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.

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