por Nurit Gil
A turma reunia-se toda primeira terça-feira do mês. Demoraram meses até chegar à formação atual, de dez pessoas, todos cultos e com interesses em comum. A não ser a Lucinha, que fora trazida certa vez por Regis e acabara ficando. Ninguém nunca soube exatamente o porquê.
Sentavam-se no bar e costumavam discutir política, sempre com meandros de sociologia, filosofia, antropologia e meteorologia. Invariavelmente, era só chegarem ao ápice da conversa e Lucinha dava seu fora.
- Ditadura. Ponto final!
- Você é um burguês, Edgar
- Sou professor universitário. Como posso ser burguês? Está maluco?
- Vocês já ouviram que todo filho de psiquiatra é meio maluco? Disse Lucinha.
- Bem, meu pai é psiquiatra...
- Ah, desculpe. Não sabia.
Lucinha nunca palpitava sobre os assuntos ditos intelectuais. Apenas concordava com a cabeça. Até sentir a deixa.
- Não pode ser, João. Você desdenha minha inteligência com este tipo de opinião.
- Ih, Beatriz, inteligência e hormônios.
- Sabia! Você está grávida?
- Não, Lucinha, não...
Já tinham feito diversas tentativas de excluí-la do grupo, mas alguém sempre tinha pena, "Ah, chama vai...".
Um dia Lucinha chegou diferente. Pediu um Martini e discordou, opinou, sugeriu coerentemente. Ninguém acreditava.
Começaram a trocar olhares estupefatos. Fabiola até engasgou com a azeitona quando Lucinha exclamou "farsantes populistas!".
Nenhum fora. Nenhum comentário inapropriado. Nada. Apenas coerência.
No encontro seguinte, tentaram até incitar a antiga Lucinha.
- Lú, aquele cara está com um jeito de bêbado, né?
- Você acha?
- Postura de quem trai...
- Frivolidades.
Frivolidades. Era a palavra que comentavam por telefone, tentando entender o que acontecera com Lucinha. Até pouco tempo, achavam que ela inclusive desconhecia o significado do termo e agora até conseguia inseri-lo apropriadamente no contexto.
No encontro seguinte, Edgar teve uma reunião inadiável e Fabiola, enxaqueca. Em outro, a avó do Edu faleceu e a Katia pegou uma gripe. Por falta de quórum, deixaram de se reunir.
Até hoje, quando alguém pergunta o motivo do fim daqueles animados encontros, eles desconversam.
- A estabilidade política...
*Nurit Gil é uma paulista nos pampas gaúchos, formada em publicidade, mas nunca tendo exercido a profissão. Cronista de corpo e alma, a autora já trabalhou com vendas, marketing e foi mãe em tempo integral. Uma paixão? Nurit gosta de observar gente, escutar conversas, de preferência em ambientes abertos e com uma xícara de café. Sem chantilly. Semanalmente, publica nesta coluna suas impressões do cotidiano porto-alegrense.
Sentavam-se no bar e costumavam discutir política, sempre com meandros de sociologia, filosofia, antropologia e meteorologia. Invariavelmente, era só chegarem ao ápice da conversa e Lucinha dava seu fora.
- Ditadura. Ponto final!
- Você é um burguês, Edgar
- Sou professor universitário. Como posso ser burguês? Está maluco?
- Vocês já ouviram que todo filho de psiquiatra é meio maluco? Disse Lucinha.
- Bem, meu pai é psiquiatra...
- Ah, desculpe. Não sabia.
Lucinha nunca palpitava sobre os assuntos ditos intelectuais. Apenas concordava com a cabeça. Até sentir a deixa.
- Não pode ser, João. Você desdenha minha inteligência com este tipo de opinião.
- Ih, Beatriz, inteligência e hormônios.
- Sabia! Você está grávida?
- Não, Lucinha, não...
Já tinham feito diversas tentativas de excluí-la do grupo, mas alguém sempre tinha pena, "Ah, chama vai...".
Um dia Lucinha chegou diferente. Pediu um Martini e discordou, opinou, sugeriu coerentemente. Ninguém acreditava.
Começaram a trocar olhares estupefatos. Fabiola até engasgou com a azeitona quando Lucinha exclamou "farsantes populistas!".
Nenhum fora. Nenhum comentário inapropriado. Nada. Apenas coerência.
No encontro seguinte, tentaram até incitar a antiga Lucinha.
- Lú, aquele cara está com um jeito de bêbado, né?
- Você acha?
- Postura de quem trai...
- Frivolidades.
Frivolidades. Era a palavra que comentavam por telefone, tentando entender o que acontecera com Lucinha. Até pouco tempo, achavam que ela inclusive desconhecia o significado do termo e agora até conseguia inseri-lo apropriadamente no contexto.
No encontro seguinte, Edgar teve uma reunião inadiável e Fabiola, enxaqueca. Em outro, a avó do Edu faleceu e a Katia pegou uma gripe. Por falta de quórum, deixaram de se reunir.
Até hoje, quando alguém pergunta o motivo do fim daqueles animados encontros, eles desconversam.
- A estabilidade política...
*Nurit Gil é uma paulista nos pampas gaúchos, formada em publicidade, mas nunca tendo exercido a profissão. Cronista de corpo e alma, a autora já trabalhou com vendas, marketing e foi mãe em tempo integral. Uma paixão? Nurit gosta de observar gente, escutar conversas, de preferência em ambientes abertos e com uma xícara de café. Sem chantilly. Semanalmente, publica nesta coluna suas impressões do cotidiano porto-alegrense.
Abre-se uma nova janela para olharmos para o cotidiano com especial atenção - pela vista de Nurit! Parabéns!
ResponderExcluirAbraços, Rubem
Obrigada, Rubem!
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