Lançado em Portugal em 2011 - no Brasil, seria publicado apenas três anos depois -, o romance aborda, de forma magistral, uma temática difícil e desafiadora - a morte e, mais precisamente, a violência contra a mulher que resulta naquela morte trágica e brutal da protagonista inerte dessa história. Escrito com singular apuro de linguagem, com total economia de recursos e prosa envolvente, Este é meu corpo tem em sua construção um dos pontos mais marcantes: o romance é contado ora em primeira pessoa - na voz do médico legista que examina o corpo de mulher e, solitário, conversa consigo mesmo e com o cadáver sobre o ato de examiná-lo em busca de sinais que lhe contem a sua vida -, ora em terceira pessoa, levando o leitor a conhecer fragmentos de narrativa sobre a falecida e as pessoas que conviviam a seu redor.
Em entrevista concedida um ano e meio após o lançamento do livro, Filipa Melo recordou um pensamento do Milan Kundera, que diz que "nos preocupamos tanto com a imortalidade que nos esquecemos de pensar na morte". Para a autora, a sociedade ocidental e católica, há muitos séculos, tenta "domesticar a morte, afastá-la", pensá-la como "um estado intermédio, entre a vida e uma outra coisa qualquer que não se sabe bem o que é". Este é o meu corpo seria sua forma de refletir na morte como "a consumação do indivíduo enquanto pessoa (...), um momento único e que nos transforma em seres únicos(...), de regresso à nossa singularidade, mesmo quando passámos a vida inteira a construir pontes para os outros." Despojada de qualquer humanidade, o corpo de mulher sem rosto e sem individualidade parece-nos, ao final do livro, quando o médico legista dá por concluída sua tarefa de interlocutor dos mortos, um memento mori de nossa mesma, fragilíssima condição.
*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.
*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.
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