segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Lendo Fantasia: O MABINOGION

V ocê já leu o Mabinogion? Provavelmente não. Esse livro, escrito em galês, foi traduzido pela primeira vez no século XIX. As fontes originais são bem mais antigas: o Livro Branco de Rhydderch (1300-1325) e o Livro Vermelho de Hergest (1375-1425). Algumas das histórias são do século XI. O títulos das fontes já chamam a atenção de um leitor de Fantasia. Não por acaso, J. R. R. Tolkien dá o nome de Livro Vermelho da Marca Ocidental (Red Book of Westmarch) ao livro que Bilbo e Frodo escrevem, e Sam complementa, em O Senhor dos Anéis

Red Book of Hergest - BBC Wales
Livro Vermelho de Hergest (Foto: BBC Wales)
O Mabinogion é um livro de muita influência na Literatura de Fantasia. Ele contém as histórias mais antigas do Rei Artur e do bardo Taliesin (ou Mirddyn, ou Merlin), além de quatro contos celtas bastante antigos (os quatro ramos do Mabinogi). Um dos contos mais interessantes é o de Pwyll, que sai para caçar e encontra a Morte (Arawn). Ultimamente todos os filmes que têm um deus subterrâneo o identificam com o diabo do Cristianismo popular, embora nas suas mitologias originais eles não fossem retratados assim (Hades/Plutão/Arawn). O senhor da Terra dos Mortos não é mau, nem seu reino um inferno. No conto de Mâth, temos uma versão de um deus solar (Lleu Llaw Gyffes), que só pode ser morto com um pé em um caldeirão e outro em um bode. Meu palpite é que isso simboliza a posição do Sol entre Aquário e Capricórnio, ou o solstício de inverno. 
Lleu rises in the form of an eagle. Image from...
Lleu rises in the form of an eagle.
Image from The Mabinogion, Charlotte Guest, 1877.
(Photo credit: Wikipedia)

Apesar de muito interessantes, os contos do Mabinogion contêm longas listas de nomes difíceis de pronunciar e repetições típicas da literatura oral, o que os torna difíceis de ler, mesmo em inglês. A escritora americana Evangeline Walton deu uma forma literária aos contos na Mabinogion Tetralogy. Os quatro livros correspondem aos quatro contos celtas, mas não contemplam as lendas arturianas. Lloyd Alexander, autor das Aventuras de Prydain, inspirou-se livremente no Mabinogion para criar o seu próprio mundo de fantasia. Houve uma tentativa fracassada de transformar seus contos em um desenho da Disney (Taran e o Caldeirão Mágico, 1985). A adaptação foi muito mal feita e o resultado foi péssimo. Mas a influência dos antigos contos celtas do País de Gales continua. Bernard Cornwell tirou das histórias mais antigas de Artur, que estão no Mabinogion, material para a sua versão do mito nas suas Crônicas de Artur (O Rei do Inverno, O Inimigo de Deus e Excalibur). Nas versões do Mabinogion, ainda não existe um Sir Lancelot (ele é francês, lembrem-se), a brutalidade da sociedade medieval é bem mais evidente e não há Santo Graal. O mistério que Peredur (Percival/Parsifal) presencia é, simplesmente, o dever de vingar um parente.

Mabinogion
O Mabinogion (Foto: BBC Wales)
Já as histórias dos quatro ramos do Mabinogi foram aproveitadas por George R. R. Martin nos livros da série Uma Canção de Gelo e Fogo (mais conhecido no Brasil por Guerra dos Tronos, minissérie da HBO). Em uma dessas histórias, o protagonista é o herói Bran, o Abençoado (Bran The Blessed). Bran é um dos sobreviventes de um grande combate entre ingleses e irlandeses no qual os nativos de Eire usam soldados mortos que, depois de jogados em um caldeirão mágico, transformavam-se em guerreiros mortos-vivos. Bran é morto, porém sua cabeça cortada continua viva, falando e banqueteando-se com os companheiros em uma bandeja de prata. Bran Stark, nos livros de Martin, fica aleijado, porém se torna uma espécie de vidente/guru, tal como Bran, o Abençoado. Aliás, os Filhos da Floresta de Martin lembram muito histórias de fontes celtas. Por todas as citações, já dá para perceber a importância do Mabinogion e a influência que esse livro teve nos escritores de Fantasia. O livro está disponível em inglês para baixar no Projeto Gutenberg, em vários formatos.  



 *Patrícia Degani é mestre em Filosofia Antiga e Medieval pela PUCRS. Leitora e pesquisadora da literatura de Fantasia, escreve regularmente no blog Lendo Fantasia. É uma das coordenadoras da Breviário Cursos, pela qual ministrará, em outubro próximo, o curso ESCREVENDO FANTASIA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário