sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Você Sabe?!?... O QUE É PRECISO PARA SE ESCREVER UM CONTO

por Mires Batista Bender



Certa vez, um jovem aspirante a escritor perguntou a Guy de Maupassant qual a melhor técnica para redigir um conto. O grande contista francês respondeu:
– Basta arranjar um bom começo e um bom final.
– Só isso? Perguntou o principiante – e no meio, o que entra?
Ao que o escritor respondeu: 
–  Bem, aí entra o artista!

Guy de Maupassant
A partir da resposta de Maupassant, talvez seja possível inferir que de todas as características que um conto deve apresentar, sua “alma” está na forma como a história é narrada. A própria trama ou o tema escolhido não teriam o mesmo peso de importância. Sobre esta matéria, aliás, Julio Cortázar, analisando “alguns aspectos do conto”, quase cem anos depois, disse que “não há temas bons nem temas ruins, há somente um tratamento bom ou ruim do tema”.

A arte do conto surgiu antes mesmo do aparecimento dos sistemas de escrita, trazida pelos contadores de histórias populares, em volta do fogo, nas sociedades primitivas. Com o advento do registro escrito dessas histórias, no século XIV, o conto ganhou elaboração estética, mas conservou muitas de suas características primordiais: a concisão, a precisão, a unidade e o efeito singular que deve causar de forma a prender a atenção do leitor. Talvez pelo ambiente noturno e o crepitar do fogo que acompanharam os primeiros contadores, o suspense e o fantástico tenham sido originalmente suas mais marcantes características.

Edgar Allan Poe
O conto literário surge como tal no século XIX quando os irmãos Grimm publicam uma coletânea de narrativas com o título de Contos para crianças e famílias. Em 1842, o conto literário tem em Edgar Allan Poe seu primeiro teórico. Poe lança as bases do conto moderno como o conhecemos hoje. No prefácio para o livro de Hawthorne, Twice-Told Tales, ele desenvolve sua teoria baseada no “Princípio da unidade e efeito”. Poe fala da necessidade de uma leitura curta, concentrada, penetrante e concisa, ao invés de extensa, verbosa e pormenorizada. Para ele, nesse caso como em quase todas as classes de composição é a unidade de efeito – a impressão que o texto pode causar no leitor – o ponto crucial da narrativa. De acordo com sua teoria o conto deve causar um estado de “excitação” ou de exaltação da alma e para alcançar este efeito é imprescindível que possa ser lido com atenção, num curto espaço de tempo. Poe mede a brevidade em termos de tempo de leitura: deve ser uma narrativa breve, que ocupe o leitor entre trinta minutos e duas horas. Ainda segundo o contista norte-americano, um conto bem estruturado possui um clima cuidadosamente premeditado, cada palavra servindo ao desígnio maior de criar naquele que lê uma impressão particular. Deve ser fruto de um trabalho muito bem elaborado visando atingir o efeito que o autor pretenda causar no leitor ao final da história.

Anton Tchekhov
Outro importante teórico, Anton Tchekhov, entende ser o conto produto de “minucioso cálculo” e de um “extremo domínio do autor sobre seus materiais narrativos”. A grande ruptura do modelo de Tchekhov é a quebra da ação em direção ao clímax e a um final privilegiado, conforme preconizou Poe. Em seus contos nada parece acontecer, no entanto é impossível não ser tocado por eles, pois o leitor será dominado pelo estado psicológico das personagens e por manifestações comoventes da condição humana: dor, solidão e angústias, que levarão o leitor a uma segunda história, oculta, a qual virá à superfície ao final da primeira história fazendo parecer que o conto fora construído para contá-la. Esta habilidade de ocultar uma segunda história dentro da primeira é outra importante característica do conto e, de acordo com o que explica Ricardo Píglia em seu estudo “Teses sobre o conto”, esta é a sua tese número um: “um conto sempre conta duas histórias”.

Desde a antiga lição de Maupassant ao jovem principiante, sabe-se que, independente do estilo, do tema ou da trama, fundamental é contar bem as histórias, afinal, quem conta um conto amplia o mundo.



* Mires Batista Bender, doutora em Letras pela PUCRS, acredita que as palavras são magia e fez delas seu ofício. Professora de línguas e Literatura criou o primeiro fã-clube de escritor para homenagear a união entre seus maiores prazeres: pessoas e poesia. Interessada e curiosa por todos os temas que fazem fluir o poético, conversa sobre eles nesta coluna...

2 comentários:

  1. No link http://homoliteratus.com/links-100-melhores-contos-da-literatura-universal/ , uma lista de trinta dos melhores contos da literatura universal, disponível para leitura.

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