por Ademir Furtado
Helena Terra |
Recentemente
li um livro que me fez refletir sobre essa questão. Trata-se de A
Condição indestrutível de ter sido, de Helena Terra, publicado pela
Dublinense em 2013. É o tipo de obra em que a linguagem é o personagem mais
importante. A fabulação é simples. Uma mulher jovem cria um blog coletivo e lá
conhece um homem e se apaixona por ele. Ou melhor, pelas palavras dele, pois o
relacionamento, de início, é apenas virtual. Mais adiante, as palavras adquirem
corpo e o homem se materializa num quarto de hotel. Impossível não fazer aqui
uma associação com o poder de criação pela palavra. A mulher disse: faça-se o
homem da minha vida, e o homem se fez. E a mulher viu que isso era bom e correu
ao encontro dele. Mas, passados poucos
dias, viu que o homem era Mau e não hesitou em evocar outras palavras
pronunciadas em outro quarto de hotel.
As
leituras possíveis são várias. Uma delas, a personagem seria uma espécie de
Pigmalião feminino da era da internet. Mas a minha preferida é a que dá à
palavra o poder de despertar uma realidade que está potencializada num corpo
ainda não fecundado. Porque o estado emocional da personagem é dado em algum
momento. Ela vive um relacionamento real que é mais virtual do que aquele iniciado
pelo computador, uma situação evidente de privação afetiva. A percepção da
própria carência é a circunstância determinante do desejo por algo mais
intenso. Porém, esse desejo á apenas latente, porque não tem um objeto em que
se projetar. É alguma palavra lançada na tela do computador, que traz o
significado de um homem dotado de poderes mágicos, que vai canalizar toda a
ânsia por uma vida mais satisfatória. A partir daí, cada palavra desse homem
vai se somar à primeira e construir na imaginação dessa mulher um texto que só
ela lê. O próprio homem, aliás, cheio de reticências, um sinal muito eloquente
da linguagem, parece não corroborar a leitura que ela faz do texto dele. Mas,
para ela isso não importa. O texto que ela passa a recitar já estava ovulado, e
só precisava do sêmen da palavra para germinar.
Se
essa minha leitura tiver algum fundamento, aquela máxima do início desta
resenha fica comprometida. E não seria pra menos, pois as palavras com esse
poder de criação não andam jogadas ao vento como uma folha de papel em branco.
Elas carregam o peso das ideias que transmitem e são certeiras, sempre visam um
alvo determinado. A palavra que não tem o poder de transmissão de um pensamento
é apenas um ruído para quem ouve, e uma mancha no papel para quem lê.
*Ademir Furtado é escritor. Seu romance "Se eu olhar para trás" foi publicado pela Dublinense em 2011. Ademir é também um dos mais assíduos frequentadores do Clube de Leitores da Sapere Aude! Livros e mantém o site http://www.ademirfurtado.com.br.
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