por Robertson Frizero*
No balde, a inscrição: "Não Aceitamos Originais". |
"A
Editora XXX no momento não está recebendo originais para avaliação. Agradecemos
o contato e informamos que qualquer mudança nesse sentido será comunicada por
meio de nosso site."
Os
escritores que estão no início de carreira, ou aqueles que ainda nem
conseguiram publicar o seu primeiro livro, acabam tendo a ideia de que publicar
é impossível ou algo apenas para os “eleitos”. Seguindo a regra básica que um
escritor certa vez leu em um biscoito chinês da sorte – para evitar desapontamentos, minimize as expectativas –, vale a
pena ter a exata noção de como funciona o mercado editoral brasileiro hoje.
Mesmo sem ser um grande conhecedor do assunto, arvoro-me a listar aqui um pouco
do que esses últimos cinco anos trabalhando intensamente com livros – e quase
trinta anos desde a publicação do meu primeiro texto – me deram de sabedoria:
·
A preocupação
primeira do escritor deve ser a de escrever. Não falo aqui da ideia romântica
de escrever para guardar nas gavetas e ter sua obra descoberta por algum
pesquisador do futuro. Mas quando o seu primeiro texto for publicado, você
precisará de outros para continuar a boa onda. Além disso, é unanimidade entre
os escritores honestos – consigo mesmo e com o público – que é no meio de muita
escrita ruim que encontramos aquela frase lapidar ou a ideia originalíssima que
tornará nosso original algo publicável;
·
Não há escrita
sem reescrita. O primeiro rascunho raramente é o texto definitivo. Se você
escreveu um texto e o considera uma obra-prima, use o método Hemingway das
gavetas: o famoso escritor americano, reza a lenda, tinha duas gavetas em sua
escrivaninha de trabalho: na primeira, ele deixava repousar os textos recém-escritos por pelo menos três meses. Depois
desse período, ele relia os textos, cortava, reescrevia e colocava-os na outra
gaveta, onde eles aguardavam por mais um tempo para uma terceira e última
revisão. E não falamos aqui de revisão gramatical – isso é tarefa que todos os
escritores devem deixar para um profissional fazer, de preferência alguém sem
vínculos afetivos com o seu texto;
·
O mercado
editorial está aquecido, mas é bom saber que o Brasil é um país que ainda lê
pouco e adquire pouca literatura; a tiragem de um escritor novato no Brasil
costuma girar em torno de trezentas a quinhentas cópias; com dificuldade,
costuma-se vender a primeira tiragem ao longo de dois anos. Nos EUA, um autor
desconhecido é lançado, em geral, com dez mil cópias, mesmo nesses tempos de
e-book;
·
Tudo isso muda se
o autor dá a sorte de emplacar seu título em um edital para aquisição do
governo – há chamadas em nível federal, estadual e até de alguns municípios;
costuma-se convocar obras de literatura infantil e juvenil, mas há também
outras convocações que abrangem livros para adultos, algumas até com temática
definida – cultura afro-brasileira, literatura LGBT, etc. Quando se consegue
essa proeza, o livro pode alcançar tiragens de dezenas de milhares de
exemplares;
· Uma vez o
escritor considere que seu texto está pronto, é hora de procurar uma editora. E
basicamente há alguns tipos de editora no mercado:
o
Grandes
corporações editoriais – geralmente com diversas editoras vinculadas, muitas
delas multinacionais do livro, costumam
apostar alto em seus títulos mais vendáveis e tem a vantagem de ter estabelecidas
boas redes de distribuição e divulgação, ainda que existam gigantes do mercado
que têm problemas notórios de fazer chegar às livrarias certos títulos que
lotam seus estoques. Costuma ser muito difícil publicar por uma dessas
editoras, e em geral o escritor só chega a elas por meio de indicações de
agentes literários, de personalidades de notório saber, de premiações de relevo
na área da literatura – ou se o autor for uma celebridade, instantânea ou não.
Mas daí entraríamos no assunto de como o mercado dos livros sazonais funciona e
não seria o caso de detalhar aqui... A biografia do cantor juvenil do momento
sempre encontrará uma grande editora para publicá-lo. Elas costumam trabalhar
estritamente com suas linhas editoriais, mas em geral abrangem quase todos os
gêneros – exceto novos poetas, já que poesia é considerada cada vez mais um
gênero que não tem apelo comercial;
o
Editoras
de porte médio – costumam ter um bom catálogo e investir em sua
expansão, mas não têm, em geral, muito capital para investir em todos os
títulos que lhe são oferecidos. Trabalham estritamente nas linhas editoriais a
que se propõem. As editoras mais sérias vão investir no autor, comprar os
direitos autorais pelo livro, trabalhar com ele na divulgação e distribuição;
o
Editoras
“Pesque-e-pague” – há inúmeras editoras no mercado que irão concordar
em publicar seu livro caso você entre com uma “contrapartida”; algumas, mais sérias,
ainda terão o escrúpulo de recusar originais ruins, mantendo um catálogo de
qualidade e valorizando, assim, os que ali publicam ao dar à editora um bom
nome na praça; mas há aquelas que proporão ao escritor iniciante o sonho da
publicação caso ele adquira quinhentos exemplares do livro, por exemplo – algo que
custaria mais de dez mil reais em valores atuais – o que em geral já bastará
para pagar os custos da editora e lhe dar algum lucro. O resultado, quase
sempre, é um autor frustrado ao longo de alguns meses, com quatrocentos livros
ou mais entulhando a garagem ou o quarto dos fundos de casa. Fuja delas;
o
Editoras universitárias – por ter um
propósito de divulgação do saber, são regidas por regras próprias, ditadas pela
instituição mantenedora e pelo conselho editorial. Costumam privilegiar a
produção acadêmica, raramente publicando literatura. São respeitáveis, mas
costumam ter sérios problemas de distribuição e nenhuma divulgação;
o
Editoras
“Eu e meus gatos” – Em geral, são editoras pequenas que foram fundadas
para publicar a obra do próprio dono ou, no máximo, dos amigos mais próximos.
Nem tente publicar com eles sem pertencer ao clube: se te publicarem, é capaz
de boicotarem a tua obra para que ela não concorra com a deles. Algumas delas
até conseguem ótima divulgação – dos livros do dono e de seus “gatos”, não do
teu livro;
o
Editoras
de nicho – São editoras de pequeno ou médio porte com uma linha
editorial bem definida e muito limitada. São, em geral, muito sérios e com
ótima visão comercial do nicho em que trabalham. Não tente oferecer a elas um
original que não segue a linha editorial da casa. Mas se der a sorte de ter o
que eles procuram, eles irão tratar com carinho e entusiasmo o seu original.
Não espere grande remuneração deles, são em geral batalhadores buscando um
espaço ao sol, mas também não corres grande risco de ser explorado ou ver sua
obra esquecida no depósito. Em geral, são ótimos parceiros, mesmo quando têm
grande dificuldade de divulgar e distribuir seus livros;
o
Editoras
“Caça-níqueis de concurso” – Acredite: há editoras no Brasil que vivem
de concursos literários que elas mesmas organizam. Cobram uma taxa de inscrição
dos participantes e o prêmio do concurso é a publicação em uma antologia – às vezes,
também rola um troféu desses que se compra em loja de gravação de medalhas, não
raro um diploma... O incauto autor novato fica feliz com a sua inclusão na
antologia, com o fato de seu texto ter sido escolhido em um concurso literário
de nome pomposo, mas a verdade é que para participar da antologia o escritor
terá que adquirir um número tal de exemplares – ou seja, a editora não perde
nunca. Daí a antologia é lançada em um evento, o autor novo leva seus parentes
e amigos mais próximos para a empreitada, mas a verdade é que esses concursos
não irão gerar prestígio algum, nem a antologia será lida por alguém que possa
fazer um convite para uma publicação mais séria. Fuja disso;
o
Editoras
heroicas – Há editoras no Brasil que são conduzidas por uma única
pessoa, ou por um grupo pequeno de desvelados editores. Não raro, são gente
entusiasmada e idealista, que fundou uma editora para tentar oferecer espaço
para gente talentosa. Não têm capital para investir, e talvez precisem da
contrapartida do autor, mas se empenharão tanto na divulgação do livro que, por
vezes, vale a pena tentar. Conheci algumas dessas almas abnegadas e queria
ganhar um dia na loteria para enchê-los de dinheiro e dizer apenas: “façam o
sonho acontecer”;
o
Autopublicação
– há diversos sites nacionais e estrangeiros que facilitam imensamente
a vida do autor que quer fazer uma autopublicação, quer seja em papel ou em
meio eletrônico (e-book). A Amazon, por exemplo, tem parceria com a CreateSpace
e possibilita que o autor faça todo o processo de publicação ele mesmo, e de
graça, do início ao fim da empreitada – com direito a ISBN, venda pelo site da
Amazon nos EUA, Reino Unido e Europa Continental e versão em e-book. O problema
da autopublicação é o de sempre: se o autor tem experiência em publicar, bom
conhecimento de design para fazer uma capa de bom gosto, um bom revisor para
auxiliar nas questões gramaticais, etc., autopublicar-se continua sendo tão
válido quanto foi para autores como Carlos Drummond de Andrade, Fernando
Pessoa, James Joyce e outros tantos que no passado optaram por esse caminho
para se lançar na literatura. Mas a questão da distribuição e divulgação
recairão totalmente no escritor, é bom lembrar. Vale a pena para aquelas obras
de pouco apelo comercial e se a intenção do autor é divulgar esse trabalho sem
sonhos de que ele vire um bestseller.
E com a vantagem de que você decide a tiragem que quer, já que a impressão é
por demanda.
·
Antes de buscar a
publicação, talvez seja interessante para o autor novo que ele dedique alguns
minutos a meditar na carreira literária que ele quer desenvolver. Isso poderá
levá-lo por esse ou aquele caminho, a tomar esta ou aquela decisão. Algumas das
pedras que aprendi a usar na construção da minha carreira literária – que está
apenas no início, ainda muito incipiente – foram esses:
o
Se você não é uma
celebridade surgida em um reality show recente
ou em algum caso bizarro de vídeo vazado na Internet, um primeiro passo deverá
ser o de fazer seu nome conhecido. Para quem quer vencer nas Letras, os
concursos literários são uma boa tentativa. Mas procure os concursos sérios,
que não cobram taxa de inscrição e são, em geral, organizados por entidades
governamentais. Há também concursos honestos promovidos por empresas privadas,
livrarias e até editoras, mas em geral essa é a primeira marca de um concurso
honesto: não cobrar dinheiro dos participantes. Esses concursos costumam
oferecer como prêmio a publicação, e ter seu nome vinculado a eles é uma ótima
linha a gerar no seu currículo. Não raro, há premiações em dinheiro – algumas na
casa das dezenas de milhares de reais, um bom impulso para quem quer publicar
seu livro. Publicar em revistas (em papel ou eletrônicas) também é boa vitrine;
o
Outro caminho
interessante é o dos editais de fomento à escrita. A Biblioteca Nacional é um
bom exemplo, com a sua Bolsa de Criação Literária, anualmente cedida a vários
novos escritores Brasil afora. Estados e municípios também costumam ter seus
fundos setoriais de incentivo à cultura, que quase sempre abrangem a
literatura, muitos deles com verba para publicação de obras inéditas;
o
Se você não está
seguro da sua escrita, ou é parecido comigo – alguém sempre ávido a aprender
mais, que não se considera pronto
nunca... – , um bom passo é fazer oficinas literárias, cada vez mais
diversificadas e difundidas pelo país. Fui aluno e sou professor de oficinas de
Criação Literária e posso afirmar que as oficinas trazem inúmeros benefícios a
quem quer seguir na carreira de escritor – desde o conhecimento técnico até a
lição da humildade diante de sua própria produção. E não custa lembrar: escritor que se preze é um ávido leitor, sempre;
o
Tente com as
editoras que aceitam originais: faça uma busca na Internet e veja quais
editoras não têm em seus sites mensagens como aquela que inicia este texto...
Siga à risca o que eles solicitarem: se pedirem uma cópia em papel, envie a
mais caprichada possível; se pedirem apenas uma sinopse, faça algo que venda bem
o seu livro, sem expressões de marqueteiro barato (“Este livro é a maior obra
literária deste século” ou “Este livro vai estremecer o mercado editorial”). Eu
desenvolvi um padrão de projeto que tenho apresentado às editoras com bons
resultados; tenho enviado antes mesmo de mandar o original completo, pois o
projeto em si é capaz de despertar ou não o interesse para a obra;
o
Dependendo do
gênero em que se escreve, talvez o seu nicho nem esteja no Brasil. Há casos de
autores brasileiros que estão escrevendo em inglês ( ou traduzindo seus textos
para essa língua) por saber que nos EUA e Reino Unido seus originais serão
melhor analisados que aqui. Não custa recordar que editoras são negócios e ninguém vai publicar o seu original se não vir nele ou uma possibilidade fantástica de vendas ou algo tão original e de qualidade artística tão única que mereça ser publicado mesmo sem garantia de sucesso comercial. É claro que a primeira hipótese abrange quase a totalidade dos casos...
Pode
parecer cruel o que escreverei para encerrar esse texto – que nem uma crônica
é, de fato –, mas o segredo é perseverar, pegar aquele balde d’água fria que
tantas vezes o novíssimo escritor encontra no caminho e lavar com ele o rosto,
para despertar mais forte e convicto de que se quer mesmo ser escritor
profissional. Enquanto isso não acontece, é importante usar os termos corretos quando se lida com as editoras: o livro ainda não publicado é chamado pelo mercado de original e escritor que nunca publicou nada é aspirante a escritor. Corrija-se se, como eu no início, não usas esses termos corretamente.
E não
custa lembrar o conselho de Neil Gaiman, um dos maiores autores contemporâneos
de Fantasia: não largue o seu emprego ainda...
*Robertson
Frizero é escritor, tradutor e dramaturgo. Coordena e ministra oficinas
de Criação Literária na Sapere Aude! Livros, além de coordenar o Clube
de Leitores da livraria.
**Neste espaço, semanalmente, serão publicados textos de autoria dos clientes e leitores da Sapere Aude! Livros. Veja como participar aqui.
**Neste espaço, semanalmente, serão publicados textos de autoria dos clientes e leitores da Sapere Aude! Livros. Veja como participar aqui.
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