quarta-feira, 21 de maio de 2014

CRÔNICA DA SEMANA: O balde d'água fria e o novíssimo escritor

por Robertson Frizero*


No balde, a inscrição: "Não Aceitamos Originais".
Geralmente, o que se encontra hoje em dia nas editoras é este pequeno balde de água fria, já no site:
"A Editora XXX no momento não está recebendo originais para avaliação. Agradecemos o contato e informamos que qualquer mudança nesse sentido será comunicada por meio de nosso site."

Os escritores que estão no início de carreira, ou aqueles que ainda nem conseguiram publicar o seu primeiro livro, acabam tendo a ideia de que publicar é impossível ou algo apenas para os “eleitos”. Seguindo a regra básica que um escritor certa vez leu em um biscoito chinês da sorte – para evitar desapontamentos, minimize as expectativas –, vale a pena ter a exata noção de como funciona o mercado editoral brasileiro hoje. Mesmo sem ser um grande conhecedor do assunto, arvoro-me a listar aqui um pouco do que esses últimos cinco anos trabalhando intensamente com livros – e quase trinta anos desde a publicação do meu primeiro texto – me deram de sabedoria:

·         A preocupação primeira do escritor deve ser a de escrever. Não falo aqui da ideia romântica de escrever para guardar nas gavetas e ter sua obra descoberta por algum pesquisador do futuro. Mas quando o seu primeiro texto for publicado, você precisará de outros para continuar a boa onda. Além disso, é unanimidade entre os escritores honestos – consigo mesmo e com o público – que é no meio de muita escrita ruim que encontramos aquela frase lapidar ou a ideia originalíssima que tornará nosso original algo publicável;

·         Não há escrita sem reescrita. O primeiro rascunho raramente é o texto definitivo. Se você escreveu um texto e o considera uma obra-prima, use o método Hemingway das gavetas: o famoso escritor americano, reza a lenda, tinha duas gavetas em sua escrivaninha de trabalho: na primeira, ele deixava repousar os textos recém-escritos por pelo menos três meses. Depois desse período, ele relia os textos, cortava, reescrevia e colocava-os na outra gaveta, onde eles aguardavam por mais um tempo para uma terceira e última revisão. E não falamos aqui de revisão gramatical – isso é tarefa que todos os escritores devem deixar para um profissional fazer, de preferência alguém sem vínculos afetivos com o seu texto;

·         O mercado editorial está aquecido, mas é bom saber que o Brasil é um país que ainda lê pouco e adquire pouca literatura; a tiragem de um escritor novato no Brasil costuma girar em torno de trezentas a quinhentas cópias; com dificuldade, costuma-se vender a primeira tiragem ao longo de dois anos. Nos EUA, um autor desconhecido é lançado, em geral, com dez mil cópias, mesmo nesses tempos de e-book;

·         Tudo isso muda se o autor dá a sorte de emplacar seu título em um edital para aquisição do governo – há chamadas em nível federal, estadual e até de alguns municípios; costuma-se convocar obras de literatura infantil e juvenil, mas há também outras convocações que abrangem livros para adultos, algumas até com temática definida – cultura afro-brasileira, literatura LGBT, etc. Quando se consegue essa proeza, o livro pode alcançar tiragens de dezenas de milhares de exemplares;

No balde, a inscrição: "Só aceitamos indicações de agentes literários".
·   Uma vez o escritor considere que seu texto está pronto, é hora de procurar uma editora. E basicamente há alguns tipos de editora no mercado:

o   Grandes corporações editoriais – geralmente com diversas editoras vinculadas, muitas delas multinacionais do livro, costumam apostar alto em seus títulos mais vendáveis e tem a vantagem de ter estabelecidas boas redes de distribuição e divulgação, ainda que existam gigantes do mercado que têm problemas notórios de fazer chegar às livrarias certos títulos que lotam seus estoques. Costuma ser muito difícil publicar por uma dessas editoras, e em geral o escritor só chega a elas por meio de indicações de agentes literários, de personalidades de notório saber, de premiações de relevo na área da literatura – ou se o autor for uma celebridade, instantânea ou não. Mas daí entraríamos no assunto de como o mercado dos livros sazonais funciona e não seria o caso de detalhar aqui... A biografia do cantor juvenil do momento sempre encontrará uma grande editora para publicá-lo. Elas costumam trabalhar estritamente com suas linhas editoriais, mas em geral abrangem quase todos os gêneros – exceto novos poetas, já que poesia é considerada cada vez mais um gênero que não tem apelo comercial;

o   Editoras de porte médio – costumam ter um bom catálogo e investir em sua expansão, mas não têm, em geral, muito capital para investir em todos os títulos que lhe são oferecidos. Trabalham estritamente nas linhas editoriais a que se propõem. As editoras mais sérias vão investir no autor, comprar os direitos autorais pelo livro, trabalhar com ele na divulgação e distribuição;

o   Editoras “Pesque-e-pague” – há inúmeras editoras no mercado que irão concordar em publicar seu livro caso você entre com uma “contrapartida”; algumas, mais sérias, ainda terão o escrúpulo de recusar originais ruins, mantendo um catálogo de qualidade e valorizando, assim, os que ali publicam ao dar à editora um bom nome na praça; mas há aquelas que proporão ao escritor iniciante o sonho da publicação caso ele adquira quinhentos exemplares do livro, por exemplo – algo que custaria mais de dez mil reais em valores atuais – o que em geral já bastará para pagar os custos da editora e lhe dar algum lucro. O resultado, quase sempre, é um autor frustrado ao longo de alguns meses, com quatrocentos livros ou mais entulhando a garagem ou o quarto dos fundos de casa. Fuja delas;

o    Editoras universitárias – por ter um propósito de divulgação do saber, são regidas por regras próprias, ditadas pela instituição mantenedora e pelo conselho editorial. Costumam privilegiar a produção acadêmica, raramente publicando literatura. São respeitáveis, mas costumam ter sérios problemas de distribuição e nenhuma divulgação;

o   Editoras “Eu e meus gatos” – Em geral, são editoras pequenas que foram fundadas para publicar a obra do próprio dono ou, no máximo, dos amigos mais próximos. Nem tente publicar com eles sem pertencer ao clube: se te publicarem, é capaz de boicotarem a tua obra para que ela não concorra com a deles. Algumas delas até conseguem ótima divulgação – dos livros do dono e de seus “gatos”, não do teu livro;
No balde, a inscrição: "Seu original é maravilhoso.
Publicamos ele por R$ 8.000,00."
o   Editoras de nicho – São editoras de pequeno ou médio porte com uma linha editorial bem definida e muito limitada. São, em geral, muito sérios e com ótima visão comercial do nicho em que trabalham. Não tente oferecer a elas um original que não segue a linha editorial da casa. Mas se der a sorte de ter o que eles procuram, eles irão tratar com carinho e entusiasmo o seu original. Não espere grande remuneração deles, são em geral batalhadores buscando um espaço ao sol, mas também não corres grande risco de ser explorado ou ver sua obra esquecida no depósito. Em geral, são ótimos parceiros, mesmo quando têm grande dificuldade de divulgar e distribuir seus livros;

o   Editoras “Caça-níqueis de concurso” – Acredite: há editoras no Brasil que vivem de concursos literários que elas mesmas organizam. Cobram uma taxa de inscrição dos participantes e o prêmio do concurso é a publicação em uma antologia – às vezes, também rola um troféu desses que se compra em loja de gravação de medalhas, não raro um diploma... O incauto autor novato fica feliz com a sua inclusão na antologia, com o fato de seu texto ter sido escolhido em um concurso literário de nome pomposo, mas a verdade é que para participar da antologia o escritor terá que adquirir um número tal de exemplares – ou seja, a editora não perde nunca. Daí a antologia é lançada em um evento, o autor novo leva seus parentes e amigos mais próximos para a empreitada, mas a verdade é que esses concursos não irão gerar prestígio algum, nem a antologia será lida por alguém que possa fazer um convite para uma publicação mais séria. Fuja disso;

o   Editoras heroicas – Há editoras no Brasil que são conduzidas por uma única pessoa, ou por um grupo pequeno de desvelados editores. Não raro, são gente entusiasmada e idealista, que fundou uma editora para tentar oferecer espaço para gente talentosa. Não têm capital para investir, e talvez precisem da contrapartida do autor, mas se empenharão tanto na divulgação do livro que, por vezes, vale a pena tentar. Conheci algumas dessas almas abnegadas e queria ganhar um dia na loteria para enchê-los de dinheiro e dizer apenas: “façam o sonho acontecer”;

o   Autopublicação – há diversos sites nacionais e estrangeiros que facilitam imensamente a vida do autor que quer fazer uma autopublicação, quer seja em papel ou em meio eletrônico (e-book). A Amazon, por exemplo, tem parceria com a CreateSpace e possibilita que o autor faça todo o processo de publicação ele mesmo, e de graça, do início ao fim da empreitada – com direito a ISBN, venda pelo site da Amazon nos EUA, Reino Unido e Europa Continental e versão em e-book. O problema da autopublicação é o de sempre: se o autor tem experiência em publicar, bom conhecimento de design para fazer uma capa de bom gosto, um bom revisor para auxiliar nas questões gramaticais, etc., autopublicar-se continua sendo tão válido quanto foi para autores como Carlos Drummond de Andrade, Fernando Pessoa, James Joyce e outros tantos que no passado optaram por esse caminho para se lançar na literatura. Mas a questão da distribuição e divulgação recairão totalmente no escritor, é bom lembrar. Vale a pena para aquelas obras de pouco apelo comercial e se a intenção do autor é divulgar esse trabalho sem sonhos de que ele vire um bestseller. E com a vantagem de que você decide a tiragem que quer, já que a impressão é por demanda.
No balde, a inscrição: "Autopublicação mal-feita".
·         Antes de buscar a publicação, talvez seja interessante para o autor novo que ele dedique alguns minutos a meditar na carreira literária que ele quer desenvolver. Isso poderá levá-lo por esse ou aquele caminho, a tomar esta ou aquela decisão. Algumas das pedras que aprendi a usar na construção da minha carreira literária – que está apenas no início, ainda muito incipiente – foram esses:

o   Se você não é uma celebridade surgida em um reality show recente ou em algum caso bizarro de vídeo vazado na Internet, um primeiro passo deverá ser o de fazer seu nome conhecido. Para quem quer vencer nas Letras, os concursos literários são uma boa tentativa. Mas procure os concursos sérios, que não cobram taxa de inscrição e são, em geral, organizados por entidades governamentais. Há também concursos honestos promovidos por empresas privadas, livrarias e até editoras, mas em geral essa é a primeira marca de um concurso honesto: não cobrar dinheiro dos participantes. Esses concursos costumam oferecer como prêmio a publicação, e ter seu nome vinculado a eles é uma ótima linha a gerar no seu currículo. Não raro, há premiações em dinheiro – algumas na casa das dezenas de milhares de reais, um bom impulso para quem quer publicar seu livro. Publicar em revistas (em papel ou eletrônicas) também é boa vitrine;

o   Outro caminho interessante é o dos editais de fomento à escrita. A Biblioteca Nacional é um bom exemplo, com a sua Bolsa de Criação Literária, anualmente cedida a vários novos escritores Brasil afora. Estados e municípios também costumam ter seus fundos setoriais de incentivo à cultura, que quase sempre abrangem a literatura, muitos deles com verba para publicação de obras inéditas;
o   Se você não está seguro da sua escrita, ou é parecido comigo – alguém sempre ávido a aprender mais, que não se considera pronto nunca... – , um bom passo é fazer oficinas literárias, cada vez mais diversificadas e difundidas pelo país. Fui aluno e sou professor de oficinas de Criação Literária e posso afirmar que as oficinas trazem inúmeros benefícios a quem quer seguir na carreira de escritor – desde o conhecimento técnico até a lição da humildade diante de sua própria produção. E não custa lembrar: escritor que se preze é um ávido leitor, sempre; 
No balde, a inscrição: "Seu texto precisa de revisão..."

o   Tente com as editoras que aceitam originais: faça uma busca na Internet e veja quais editoras não têm em seus sites mensagens como aquela que inicia este texto... Siga à risca o que eles solicitarem: se pedirem uma cópia em papel, envie a mais caprichada possível; se pedirem apenas uma sinopse, faça algo que venda bem o seu livro, sem expressões de marqueteiro barato (“Este livro é a maior obra literária deste século” ou “Este livro vai estremecer o mercado editorial”). Eu desenvolvi um padrão de projeto que tenho apresentado às editoras com bons resultados; tenho enviado antes mesmo de mandar o original completo, pois o projeto em si é capaz de despertar ou não o interesse para a obra;

o   Dependendo do gênero em que se escreve, talvez o seu nicho nem esteja no Brasil. Há casos de autores brasileiros que estão escrevendo em inglês ( ou traduzindo seus textos para essa língua) por saber que nos EUA e Reino Unido seus originais serão melhor analisados que aqui. Não custa recordar que editoras são negócios e ninguém vai publicar o seu original se não vir nele ou uma possibilidade fantástica de vendas ou algo tão original e de qualidade artística tão única que mereça ser publicado mesmo sem garantia de sucesso comercial. É claro que a primeira hipótese abrange quase a totalidade dos casos...

Pode parecer cruel o que escreverei para encerrar esse texto – que nem uma crônica é, de fato –, mas o segredo é perseverar, pegar aquele balde d’água fria que tantas vezes o novíssimo escritor encontra no caminho e lavar com ele o rosto, para despertar mais forte e convicto de que se quer mesmo ser escritor profissional. Enquanto isso não acontece, é importante usar os termos corretos quando se lida com as editoras: o livro ainda não publicado é chamado pelo mercado de original e escritor que nunca publicou nada é aspirante a escritor. Corrija-se se, como eu no início, não usas esses termos corretamente.

E não custa lembrar o conselho de Neil Gaiman, um dos maiores autores contemporâneos de Fantasia: não largue o seu emprego ainda...


*Robertson Frizero é escritor, tradutor e dramaturgo. Coordena e ministra oficinas de Criação Literária na Sapere Aude! Livros, além de coordenar o Clube de Leitores da livraria. 

**Neste espaço, semanalmente, serão publicados textos de autoria dos clientes e leitores da Sapere Aude! Livros. Veja como participar aqui

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