por Nurit Gil
Queridas mulheres,
Amanhã vocês participarão de um concurso de miss e, como forma de protesto à situação da mulher, planejam queimar soutiens. Por isso escrevo esta carta, direto do futuro, para contar:
O tiro saiu pela culatra!
Pois
é. Sei que a intenção de vocês é das melhores, que é insustentável
nossa situação oprimida numa sociedade machista e tal. De fato,
conquistamos direitos, postos de trabalho e nem sempre somos chamadas de
histéricas quando opinamos de forma contundente. Sim, opinamos e isso é
um ganho e tanto.
Mas
mesmo com toda esta transformação na sociedade, acreditem: nossas casas
continuam sujando, pastas de dentes ainda não proliferam por osmose nos
armários, filhos não se criam sozinhos e maridos pedem canja quando
estão doentes. Mas agora, nós temos que trabalhar para complementar a
renda familiar. Não somos artistas, vanguardistas ou idealistas. Somos
proletárias. Batemos cartão, temos metas e almoçamos com ticket
refeição. Enquanto isso, lá em casa, a roupa acumula, a funcionária não
apareceu, ainda bem que sua mãe tirou o dia para cuidar do bebê, a pasta
de dentes acabou e terá pizza congelada para o jantar. Culpa aqui e
culpa lá. Freud jamais poderia sonhar com tamanha popularidade no século
XXI.
Vocês
devem estar se perguntando: e os homens? Ajudam mais, mudaram sim. Mas
ainda detestam trocar fraldas, não tem glândulas mamárias e apesar de
terem virado gourmets, raramente sabem que para o arroz ficar
soltinho, precisa ser cozido em fogo baixo. Fora que, conviver com uma
parceira poderosa ao lado, não é coisa pra qualquer macho.
Entendem? Está tudo atrapalhado. Claro que existem mulheres felizes com esta situação toda, mas, se vocês não queimarem os soutiens,
elas serão a vanguarda de nossa classe. Um título interessante. Quanto
ao resto de nós, deixem-nos trocar receitas de ovo poche, levar nossos
filhos na escola e fazer artesanato. Sem peso na consciência. Se der,
trabalharemos meio período. Um plus. E usaremos o dinheiro extra para
algo que não seja bancar babá, foguista, enfermeira e motorista.
Sei,
sei, tem a questão dos padrões de beleza impostos. Então deixa eu
contar: vocês terão descendentes intitulando-se mulheres-morango,
melancia e jaca. Se o nome não for auto explicativo, eu esclareço: deu
mesmo tudo errado! Até nós, mais básicas e pós-graduadas sabemos que
250ml de silicone ficam super proporcionais, que o blush da MAC é incrível e todos as demais artimanhas sensuais.
É
século XXI, mas homens ainda gostam de bunda, mulheres ainda não gostam
de dividir a conta e crianças ainda passam a primeira infância gritando
do banheiro "Manhê, acabei!".
Portanto,
amanhã, peço singelamente: desfilem. Mandem beijos. Ou fujam do padrão -
individualmente, sem rebeldia - desde que fiquem graciosas para a
história. Porque nós, do futuro, não estamos dando conta de
tudo-ao-mesmo-tempo-agora.
*Nurit Gil é uma paulista nos pampas gaúchos, formada em publicidade, mas nunca tendo exercido a profissão. Cronista de corpo e alma, a autora já trabalhou com vendas, marketing e foi mãe em tempo integral. Uma paixão? Nurit gosta de observar gente, escutar conversas, de preferência em ambientes abertos e com uma xícara de café. Sem chantilly. Semanalmente, publica nesta coluna suas impressões do cotidiano porto-alegrense.
Nenhum comentário:
Postar um comentário