por Mires Batista Bender
O quarup é uma cerimônia sociorreligiosa, intertribal, de
celebração dos mortos, realizada entre os povos indígenas brasileiros da região
do alto Xingu.
O
ritual é ligado ao ciclo mitológico de um herói cultural, conhecido entre os
índios Camaiurás como Maivotsinim. De
acordo com o relato do mito, Maivotsinim, desejando ressuscitar os mortos,
entrou no mato e cortou três troncos de quarup, fincando-os no centro da
aldeia. Ali os pintou e adornou com colares e penas. Chamou duas cutias e dois
sapos cururus para cantarem com ele. Depois, distribuiu peixes e beijus para os
índios comerem. Os maracá-êp (cantadores), sacudindo os chocalhos na mão
direita, cantavam sem cessar em frente dos quarup chamando os troncos à
vida.
O ritual é, ainda hoje, realizado entre os povos
indigenas xinguanos. Os preparativos do quarup começam 15 dias antes do evento,
quando são realizadas grandes pescarias, pois o grupo organizador tem de
oferecer uma boa alimentação aos grupos convidados. Uma semana antes, são
cortados os troncos que representam os mortos. Eles ficam escondidos na mata
até a véspera do cerimonial. A
celebração tem início com a chegada dos grupos de índios de outras aldeias o que
ocorre em meio a muitas danças. À noite acontece a ressurreição simbólica do
homenageado. As carpideiras começam o choro ritual sem que os cantos sejam
interrompidos.
Aos primeiros raios do sol do dia seguinte, o choro
e o canto cessam e começa a Dança da Vida executada pelos atletas das tribos
cada um trazendo uma longa vara verdejante símbolo dos últimos nascidos na
comunidade. Os atletas formam um grande círculo ao redor do quarup para
reverenciá-lo. Depois, o grande círculo se dispersa e vários grupos são
formados representando cada um uma tribo.
Os visitantes anunciam sua chegada com gritos e
iniciam competições entre os campeões de cada tribo, seguidas de lutas grupais
para os jovens. Então, o chefe da aldeia que sedia o quarup se ajoelha diante dos chefes de cada tribo visitante e,
em sinal de boas vindas, lhes oferece peixe e beiju para distribuirem entre os
seus.
Um dos pontos altos
da celebração e a luta “Huka-huka”. Os lutadores
se movimentam em círculos para logo se ajoelharem. Em seguida, após espalmarem
violentamente mãos contra mãos, dão um bote para frente em demonstração de
força e agilidade. No final do cerimonial, os troncos são lançados no rio
simbolizando a libertação da alma.
Na literatura,
encontra-se a representação do ritual do quarup na obra homônima de Antonio
Callado.
O romance Quarup, publicado em 1967, no auge da ditadura militar brasileira, conta
a história do padre Nando e sua jornada em busca do centro geográfico do Brasil
onde tenciona fundar um novo começo histórico para o País “baseando-se em
princípios sólidos a partir dos quais o homem possa restabelecer seus vínculos
com o divino”.
Várias
mudanças ocorrem nos projetos de Nando durante a viagem que faz ao Xingu. Ele
abandona o sacerdócio, conhece o sexo e as drogas, até que, desenganado de seu
sagrado projeto original, volta a Pernambuco, seu Estado de origem, unindo-se
às guerrilhas para a luta armada.
O título do romance de Callado refere o ritual
ancestral dos índios do alto Xingu. Este ritual retoma a criação da vida
através da homenagem aos mortos em um rito de ressurreição, que sintetiza o
eterno recomeço, enquanto realiza uma celebração à vida. Nesse sentido, a participação
de Nando na cerimônia do quarup, funciona, na narrativa, como uma metáfora do
rito de passagem em sua vida, pois ele mesmo irá “renascer” durante o percurso
de sua viagem em busca da nação que sonha construir.
* Mires Batista Bender, doutora em Letras pela PUCRS, acredita que as palavras são magia e fez delas seu ofício. Professora de línguas e Literatura criou o primeiro fã-clube de escritor para homenagear a união entre seus maiores prazeres: pessoas e poesia. Interessada e curiosa por todos os temas que fazem fluir o poético, conversa sobre eles nesta coluna...
Lembro do documentário da TV Manchete, dos anos 80, retratando a vida das tribos do Xingu. Também há o filme Kuarup, baseado no livro de Callado. E Xingu, o filme sobre os irmãos Villas Boas. Deveras fascinante.
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