quinta-feira, 4 de setembro de 2014

PRATA DA CASA: Não mais





Como sempre, subo as escadas do casarão com uma pressa injustificável, pois nada que eu fizer mudará a situação.         
                                                                                                                                         
Aparentemente, não há ninguém em casa. Com a angústia habitual, entro em seu quarto sem bater, pois a porta está apenas encostada. Ainda é dia, mas a penumbra e o silêncio dominam. Acima da janela semicerrada, uma mandala de acrílico, colorida e transparente, produz efeitos luminosos e bonitos que refletem nas paredes. 
                                                                                
No quarto há o aroma amadeirado de seu perfume misturado ao cheiro de hospital. 

Acho que ela adormeceu lendo, pois há jornais abertos, recortes e uma revista de roteiros de viagens com um casal dançando tango na capa. Ao lado da cama imensa, uma cômoda antiga ocupada por medicamentos, livros de psicologia empilhados, CDs de música clássica e porta retratos. Fotografias de crianças, seus filhos, que mesmo já adultos, jamais irão crescer. No banheiro conjugado, lavo as mãos e observo o grande espelho emoldurado de luzes que lembra o camarim de um teatro. Uma coleção de sapatinhos de vidro, a bancada da pia com perfumes e produtos de beleza.    

Dirijo-me ao closet, também extensão do quarto. Ali, suas roupas, sapatos e caixas com jóias estão cuidadosamente dispostos como se fosse um brechó.                                                                                  

Finalmente, deito ao seu lado e sinto sua mão quente, levemente trêmula, tocar a minha. Ela, com os olhos fechados, pergunta:

– És tu, Neca?

– Sim, mãe, acabei de chegar. Estás com dor?

– Não, agora não mais – ela responde segurando minha mão com um pouco mais de força – Agora que chegaste, não mais.

Eu então fecho os olhos e, sentindo uma certa paz, tento perpetuar aquele momento.



Lea Heck

Na seção PRATA DA CASA, publicaremos semanalmente textos escritos pelos alunos das diversas oficinas literárias ministradas na Sapere Aude! Livros. O texto de hoje é de Lea Rech, aluna da Oficina de Iniciação à Criação Literária do professor Robertson Frizero. Quer conhecer mais sobre nossas oficinas literárias? Acesse: http://oficinasliterarias.wordpress.com

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