quinta-feira, 16 de maio de 2013

Jay Gatsby e a frivolidade do mundo

F. Scott Fitzgerald
Harold Bloom, um dos mais consagrados críticos de literatura das últimas décadas e professor das renomadas universidades de Yale e Nova Iorque, considera-o um dos três autores mais relevantes da prosa literária estadunidense do século XX. Thomas C. Foster, professor da Universidade de Michigan, afirma que "se a literatura americana moderna consistisse de um único romance, e esse romance fosse" sua obra-prima, O Grande Gatsby, "poderia ser o bastante". O próprio F. Scott Fitzgerald, sem qualquer laivo de modéstia, escreveu para seu editor em 1924 dizendo que achava que seu romance era "provavelmente o melhor romance americano já escrito". Diz ele, ainda na mesma carta, que a obra "é brutal em algumas passagens" e termina com uma advertência cuidadosa: "Espero que você não se inquiete".

O Grande Gatsby tornou-se, de fato, ao longo dessas quase nove décadas desde sua primeira edição, em 1925, o grande romance estadunidense. Pouco bem sucedido em seu primeiro ano - o editor escreveu a Fitzgerald reportando que o livro não vendera mais que vinte mil cópias, um número desanimador para o mercado norte-americano de então -, o livro ganhou força ao longo dos anos e ares de profecia quando, cinco anos depois, o crack da Bolsa de Valores de Nova Iorque fez ruir o mundo glamuroso e frívolo da Long Island retratada pelo autor na história de Jay Gatsby, um milionário recluso e misterioso, cuja fortuna ninguém sabe ao certo de onde veio e que esconde uma melancolia somente desvendada com a chegada, no início da obra, do jovem interiorano Nick Carraway, o narrador do romance. 

Leonardo DiCaprio e Carey Mulligan
em O Grande Gatsby (2013)
Fitzgerald pretendia mostrar, em O Grande Gatsby, a que caminhos levariam os excessos e a frivolidade do mundo no qual ele mesmo estava imerso - interiorano, nascido em uma pequena cidade do estado de Minesota, o escritor foi alçado às grandes rodas da aristocracia graças ao casamento com Zelda Sayre, uma moça da mais fina sociedade sulista, e ao sucesso de seu primeiro romance; com ela, viveriam algum tempo em Paris e excursionariam pela Europa, muitas vezes em um padrão de vida superior às suas possibilidades. Não por acaso, Nick Carraway tem a mesma história de vida do que fora o jovem Fitzgerald: chegando do interior em busca de novas possibilidades na cidade grande, ele acaba por se envolver com o mundo dos milionários e suas excentricidades, mas sem jamais perder o olhar crítico e distante sobre seus hábitos e dramas existenciais.


No romance, Nick emprega-se como vendedor de títulos e aluga um chalé modesto de madeira instalado entre os imensos jardins da propriedade de Jay Gatsby - habitação mais barata que encontrara para viver perto de Nova Iorque. Morando em Long Island, Nick reaproxima-se da prima distante Daisy Buchanan, casada com Tom, um ex-colega de faculdade do rapaz; Ao conhecer Jay Gatsby, após encontrá-lo em uma das suntuosas festas que ele oferecia sem nada delas desfrutar, é que o rapaz descobre que Gatsby e Daisy tiveram um affair no passado - e que Gatsby dedicara toda a sua vida depois da guerra para recuperar a mulher amada. Mas Daisy, de berço aristocrata, preferira casar-se com Tom e sua fortuna, ainda que o esposo tenha uma amante a qual não faz questão alguma de esconder, uma Sra. Wilson cujo marido é dono de um posto de gasolina esquecido a caminho de Nova Iorque e que vive sonhos de grandeza em um minúsculo apartamento em Manhattan onde mantém vivo o seu caso amoroso.

O outdoor no filme O Grande Gatsby (1974)
O espaço físico é determinante no simbolismo proposto por Fitzgerald: se Long Island é a ilha dos sonhos, distanciada pelas brumas da ostentação e da vida ociosa de seus ricos moradores, Nova Iorque parece ser a turbulenta e frenética realidade das classes menos abastadas, da qual todos querem fugir. Entre uma e outra, o autor descreve um vale de cinzas - na vida real, um terreno abandonado e amplo no qual depositavam resíduos industriais - no qual se localiza o posto de gasolina e oficina mecânica do Sr. Wilson: um lugar que muitos associaram simbolicamente à pobreza e à desesperança, mas que Fitzgerald faz ser observado por um imenso outdoor abandonado de um oculista: um par de olhos azuis gigantescos com um óculos que lhe dava um aspecto ainda mais sombrio - uma espécie de olho de Deus a registrar cada passo da tragédia que se desenha ao longo do livro. As residências também marcam espaços metafísicos: a mansão de Gatsby é enorme, dando o aspecto de solidão e melancolia da própria alma de seu dono; o apartamento de Manhattan é um tosco arremedo de sofisticação que serve para Myrtle se sentir rica e Tom afastar-se do excessivo luxo de seu cotidiano; a casa do narrador, um chalé de madeira sem qualquer atrativo, parece ser um pedaço de consciência verdadeira quase sombreado pelas mansões vizinhas.

Robert Redford, o Gatsby do filme de 1974
Transitando nesses espaços, Nick acompanha as festas na mansão gigantesca de Gatsby e os encontros de Tom e Myrtle Wilson no apartamento minúsculo de Manhattan com o mesmo interesse pelo intrincado jogo de espelhos que, ao longo da trama, revela serem todos aqueles personagens movidos por um único objetivo: viver uma vida que não lhes pertence: se Myrtle Wilson sonha com uma vida de glamour que jamais terá casada com um mecânico medíocre em meio às cinzas do terreno de descarregamento de dejetos industriais onde mora, Tom Buchanan mantém a amante para brincar de ser proletário quando o peso das convenções sociais e da elegância o oprimem; se Daisy Buchanan escolheu viver com um homem que não ama em detrimento do amor puro de Gatsby, este também joga com todas as suas armas para jamais revelar a origem de sua fortuna angariada para conquistar Daisy. Distante da hipocrisia e desse jogo feroz de aparências, Mr. Wilson, o esposo de Myrtle, será o algoz e a vítima que, duplamente traído, interromperá aquele estranho baile de máscaras.

FITZGERALD, F. S.
O Grande Gatsby
(Leya, 2013)
O grande valor de Fitzgerald, além de sua visão magnífica sobre toda uma era que viveu intensamente, é o labor literário com o qual conduz o leitor a tirar suas próprias conclusões sobre as motivações de cada personagem. O livro, totalmente contemporâneo por ocasião de seu lançamento, ainda hoje encanta por suas cenas vivas e diálogos reveladores - alguns deles, sobretudo na voz de Daisy Buchanan, retirados de falas e de escritos dos diários de sua esposa Zelda, confidenciaram depois amigos do escritor -, embora seu quase centenário tenha transformado o livro em um retrato essencial de uma era conhecida como os anos loucos da sociedade americana.

*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.




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