sexta-feira, 31 de maio de 2013

Mini, micro, nano, twitterconto


O dinosaurio de Monterroso
O escritor guatemalteco Augusto Monterroso é apontado como o autor do mais famoso deles ("Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá."); do americano Ernest Hemingway, disseram erroneamente ter ele escrito um dos mais tocantes ("Vende-se: sapatos de bebê, sem uso."). Outros tantos autores aventuraram-se - e continuam diariamente a se arriscar - na produção de brevíssimas narrativas como estas, mas a verdade é que a academia ainda tarda a reconhecer os chamados minicontos (ou microcontos, ou nanocontos, ou twittercontos, seja lá o termo com o qual se denominem tais textos) como um novo gênero literário.

Os sapatinhos de Hemingway:
famoso miniconto era
provavelmente um slogan
publicitário de 1917
associado ao escritor
apenas nos anos 1990
Os minicontos - adotemos esse epíteto para abarcar todos os seus subgêneros - reservam semelhanças constitutivas com o conto contemporâneo, como a necessidade da existência de um conflito, mas também têm características que lhe são peculiares e os diferenciam do que seria apenas um conto de extensão mais breve. O miniconto traz em si as preocupações da literatura contemporânea - sugerir mais que contar, dar ao leitor espaço para que ele construa em sua mente tudo o que o texto literário não coloca de forma explícita. É forte o seu caráter de concisão, mas o miniconto não é apenas um texto curto: ele retrata um excerto de vida, traz um subtexto que aflora mesmo com tão poucas palavras e, mais que tudo, representa uma totalidade e não apenas um fiapo de narrativa. Narratividade, aliás, é um bom critério para separar o que é um miniconto do que é apenas uma frase de efeito. Os dois exemplos acima, de Monterroso e Hemingway, mostram com perfeição o que o miniconto se propõe a ser.

Leonardo Brasiliense
A tecnologia atual apenas intensificou algo que já era praticado por diversos autores desde meados do século XX. O uso das mensagens SMS - e seu mais famoso derivado, a rede social Twitter, na qual os membros tem um espaço de 140 caracteres para expressar suas ideias a cada vez - fez com que escritores de todo o mundo se lançassem ao desafio de fazer uma literatura que coubesse nas limitações oferecidas por essas ferramentas. A produção, há que se dizer, é irregular e muitas vezes não passa de frases de efeito, quase slogans publicitários que os próprios autores chamam de miniconto por desconhecerem o que é um conto e suas regras de formação - a ponto de um famoso romancista gaúcho ter declarado certa vez, para seus alunos, que "minicontos são minibobagens". Alguns não são nada bobos, sobretudo aqueles feitos por autores despreocupados em simplesmente bater o recorde de escrever um conto com o mínimo de caracteres possível. E temos mesmo verdadeiros mestres nesse quase gênero literário, como o premiado escritor gaúcho Leonardo Brasiliense:

 Réquiem para Teresa
Notáveis os olhos de Teresa. Grandes. Inspiravam saudades não sei de quê. Por vezes eu tive vontade de comê-los. Hoje me contentaria em beijá-los. Impossível, pois a matei. Pior: acusei-a de nunca ter existido, mesmo reconhecendo que mentia. Teresa hoje é nada, um nadinha varrido para baixo do tapete, lá onde frequentemente tropeço.



Que universo imenso construído por Brasiliense em tão poucas palavras - sem a ditadura dos 140 caracteres, longe do modismo da frase única para contar uma história. Quantas viradas de expectativa causa no leitor, quanta vida por viver, quanta reflexão despertam as confissões guardadas nessas poucas linhas! Em escala macro ou nano, o que prende o leitor é sempre a mesma coisa: uma história bem contada.

*Texto de Robertson Frizero - escritor, professor de Criação Literária e Mestre em Letras pela PUCRS.





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